A Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinou nesta sexta-feira (26/01) que Israel “tome todas as medidas cabíveis” para prevenir “atos de genocídio” contra palestinos e permita a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.
Com a decisão, o tribunal da ONU, sediado em Haia, Holanda, determinou medidas provisórias solicitadas como parte uma denúncia apresentada pela África do Sul contra Israel, em que este é acusado de cometer genocídio contra o povo palestino na Faixa de Gaza.
Na decisão, a Corte determinou que Israel garanta ainda que seus militares não cometam atos genocidas em Gaza e pediu que o país previna e puna comentários públicos que possam incitar esse crime. O governo israelense deve ainda apresentar um relatório ao tribunal em um mês especificando quais medidas foram tomadas.
O tribunal pediu ainda a libertação dos reféns detidos pelo Hamas. Apesar das decisões, a Corte, porém, não ordenou o cessar-fogo do conflito.
Processo segue em trâmite
A Corte também decidiu seguir com o processo aberto contra Israel. A presidente da CIJ, Joan E. Donoghue, disse que o tribunal não rejeitará o caso e que continuará investigando a denúncia. “O tribunal tem plena consciência da extensão da tragédia humana que está ocorrendo na região e está profundamente preocupado com a perda contínua de vidas e o sofrimento humano”, disse ela.
A decisão desta sexta-feira, entretanto, é apenas provisória; ainda pode levar anos para que haja um veredito final sobre o caso, que concluirá se as operações israelenses em Gaza se enquadram ou não na definição legal de genocídio.
O que diz a ação sul-africana
Na petição de 84 páginas, o país africano afirma que “os atos e omissões de Israel […] têm caráter genocida, pois foram cometidos com a intenção específica […] de destruir os palestinos em Gaza”.
Tanto a África do Sul quanto Israel são membros da Convenção contra o Genocídio de 1948. O tratado internacional – criado após a Segunda Guerra Mundial por causa do Holocausto, genocídio de judeus pelos nazistas – obriga seus signatários a prevenir e punir o crime de genocídio.
A Convenção define genocídio como a execução de ações com a intenção de eliminar, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
A iniciativa sul-africana, que recebeu apoio do Brasil, foi motivada pelas ações militares de Israel contra os palestinos em retaliação aos ataques terroristas do grupo fundamentalista islâmico Hamas em 7 de outubro, que deixaram 1.200 mortos em território israelense.
No mesmo dia, o governo israelense declarou guerra ao Hamas, considerado uma organização terrorista pela União Europeia, Estados Unidos e outros países e que controla a Faixa de Gaza desde 2007.
Em pouco mais de três meses, mais de 23 mil palestinos foram mortos em meio a intensos ataques israelenses em Gaza, a maioria mulheres e crianças. Mais de 80% da população do enclave foi obrigada a se deslocar, e a situação humanitária piora a cada dia.
Em meio às hostilidades contra civis, a África do Sul acionou a Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia, na Holanda, em 29 de dezembro passado.
Fundada em 1945, a CIJ é o principal órgão judicial da ONU. Diferentemente do Tribunal Penal Internacional (TPI), que lida com responsabilidades criminais individuais, a Corte julga disputas entre Estados. É composta por 15 juízes, cada um de um país.
Quais foram as reações à decisão do tribunal?
Após a divulgação da decisão, a ministra de Relações Internacionais da África do Sul, Naledi Pandor, pediu a Israel que implemente as ordens do tribunal.
“Se Israel agir de acordo com as ordens do tribunal, creio que isso implica em esperanças para o futuro do mundo. Caso contrário, em resumo estaremos abrindo espaço para todos os abusadores em muitos conflitos ao redor do mundo, e acho que estaremos estabelecendo um precedente terrível”, disse.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, respondeu à decisão afirmando que o processo na corte é “ultrajante” e que Israel continuaria a fazer “o que for necessário” para se defender.
“O compromisso de Israel com a lei internacional é inabalável. Igualmente inabalável é nosso compromisso sagrado de continuar a defender nosso país e defender nosso povo. Como todo país, Israel tem o direito inerente de se defender”, disse.
O ministro das Relações Exteriores da Palestina, Riyad al-Maliki, pediu a todos os países que garantam que todas as medidas ordenadas pelo tribunal sejam implementadas.
“A ordem da CIJ é um lembrete importante de que nenhum Estado está acima da lei. Isso deve servir como um alerta para Israel e para os atores que permitiram sua impunidade enraizada”, disse ele.
A CIJ emite decisões obrigatórias e irrecorríveis, mas não tem os meios para garantir sua implementação. Por exemplo, depois que a invasão russa na Ucrânia começou em fevereiro de 2022, a CIJ ordenou que Moscou interrompesse suas operações, em vão. No caso de Israel, Netanyahu, que parece determinado a “aniquilar” o Hamas, já deu a entender que não se sentiria obrigado a cumprir os veredictos. “Ninguém nos deterá, nem Haia, nem o eixo do mal, nem ninguém”, disse ele em uma coletiva de imprensa em 14 de janeiro.
Posição do Brasil
No dia 10 de janeiro, o Brasil anunciou apoio à petição da África do Sul em nota emitida pelo Itamaraty, horas depois de um encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben.
“À luz das flagrantes violações ao direito internacional humanitário, o presidente manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça para que determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados nos termos da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio”, diz o comunicado.
“O presidente Lula recordou a condenação imediata pelo Brasil dos ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023. Reiterou, contudo, que tais atos não justificam o uso indiscriminado, recorrente e desproporcional de força por Israel contra civis.”
Não é a primeira vez que o governo Lula adota uma postura crítica contra a ofensiva israelense em Gaza. Ele chegou a comparar os ataques contra palestinos com “atos de terrorismo”.
De certa forma, o apoio à petição sul-africana destoa da posição de neutralidade que o Brasil adota historicamente, de buscar equilíbrio entre partes em conflito e se apresentar como possível mediador. Esse é um papel que Lula tenta exercer não só na guerra no Oriente Médio, mas também na Ucrânia.
Além disso, a decisão distancia o Brasil da posição de países do Ocidente e evidencia uma aproximação maior do Brics, grupo de países emergentes do qual Brasil e África do Sul fazem parte.
O governo brasileiro defende a chamada solução de dois Estados: um Estado palestino economicamente viável convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas, que incluem Gaza e a Cisjordânia.
Fonte: dw.com