Jornalista compartilha experiência que tem com filhos quase da mesma idade e buscou apoio de especialistas em paternidade para mudar táticas de abordagem
GettyChutes, tapas e gritos. É o que acontece na minha casa desde o momento em que meus filhos acordam até o momento em que vão dormir.
Meus filhos, de 2 e 4 anos, brigam entre si por tudo. Seja compartilhando brinquedos, a cor de seus pratos ou até mesmo quem tem o copo com canudinho maior –tudo é uma competição, e meu marido e eu somos os árbitros.
A briga é constante, e eu me pergunto todos os dias se isso é normal.
Eu cresci com um irmão 18 meses mais novo do que eu, e nós brigávamos. Mas meus pais e eu não nos lembramos de ser tão voláteis quanto o que estou experimentando com meus dois filhos (embora eu perceba que nós, adultos, tendemos a bloquear alguns dos maus momentos).
Minhas amigas que também são mães dizem que seus filhos fazem birras, mas ninguém parece se relacionar com a minha situação.
Pesquisei um pouco e descobri que não sou louca. A rivalidade entre irmãos, especialmente quando se trata de crianças do mesmo sexo, é comum –e ainda mais quando eles têm menos de dois anos de diferença, de acordo com o Nationwide Children’s Hospital.
Saber que sou um dos inúmeros pais que passam por esse problema me traz consolo, mas preciso fazer algo para mudar a dinâmica. Não consigo lidar com os gritos constantes.
Eu sei, em meu coração, que não estou lidando bem com os conflitos deles: ameaço tirar brinquedos, tento aplicar castigos em meu filho de 4 anos, e às vezes eu grito.
Como nada está funcionando, meu marido e eu decidimos que precisávamos inverter o roteiro para nossa sanidade. Esse desafio me levou a procurar duas especialistas em paternidade para mudar nossas táticas de abordagem. (Elas também têm filhos).
Ser irmão é difícil
“Nós apenas temos que entender que é difícil ter um irmão”, disse Becky Kennedy, psicóloga clínica e apresentadora do podcast “Good Inside”. “Muitos de nós têm filhos e pensamos ‘Oh, eu vou ter filhos que se dão bem. Eles vão ter um companheiro de brincadeiras’”.
Quando isso não acontece, Kennedy, mais conhecida como “Dra. Becky”, disse que pode ser uma decepção. “Você diz a si mesmo: ‘Eu não esperava que isso acontecesse para nossos filhos, que eles ficassem brigando o tempo todo’. Mas brigar em algum grau é uma parte normal dos relacionamentos entre irmãos”.
Eu pensei que ter dois meninos significava que eles seriam os melhores amigos construindo castelos com blocos de montagem e rindo, ao invés das lutas que eles têm no estilo luta-livre antes do sol nascer.
Kennedy sugeriu que eu olhasse do ponto de vista do meu filho de 4 anos.
“Um primeiro filho tem todo um sistema familiar, e então um segundo filho vem, e tudo o que o primeiro filho sabia sobre como se sentir seguro no mundo, como obter amor e atenção de seus pais, é totalmente jogado para cima e misturado”, disse ela.
“A pessoa que queremos que nosso filho veja como companheiro de brincadeiras é vista como um competidor”, acrescentou. “Não é com um concorrente para o caminhão verde que eles estão brigando, mas, na verdade, um concorrente por se sentir valioso e digno, um tempo só para ele com os pais e ser visto”.
Uma criança de 4 anos não sabe como expressar esses sentimentos, ela disse, então ela chama a atenção “andando até (seu) irmão e batendo nele”.
Substitua a palavra ‘parar’ por ‘não vou deixar’
Em uma típica manhã de sábado, levo meus meninos para nossa sala de jogos e os vejo jogar. Nos primeiros minutos, tudo parece calmo, então eu vou ao andar de cima para reaquecer meu café.
Estando eu com eles ou não, é garantido que um vai querer o brinquedo que o outro tem. Então começa uma luta livre, que se transforma em gritos e choro comigo os apartando como seu eu fosse um segurança em uma boate.
Eu quase sempre digo ao mais velho para compartilhar com seu irmãozinho, e sempre me pego gritando alguma versão de “Parem de brigar!”.
Kennedy disse que está tudo errado.
“Não podemos dizer às crianças: ‘Devolvam os brinquedos’. E não podemos dizer: ‘Pare de fazer isso’”, ela afirma. “Basicamente, você está dizendo a uma criança: ‘Vejo que você está fora de controle, mas não estou disposto a assumir meu papel de autoridade como pai. Você pode parar de fazer o que claramente não consegue parar de fazer?’”
Ela está certa. Peço ao meu filho de 4 anos para compartilhar, porque sei que meu filho mais novo tem mais dificuldade em fazê-lo.
“Isso é realmente muito aterrorizante para uma criança, porque seu filho está pensando: ‘Uau, meus pais não podem me ajudar aqui e estão me pedindo para fazer um trabalho de adulto’. Podemos sempre substituir ‘nós não’ e ‘parar’ por ‘eu não vou deixar você’”.
Kennedy também disse não aos castigos, aos quais recorro se meu filho mais velho faz repetidamente algo que lhe pedi para não fazer, como pular no sofá. “Tudo o que acontece quando você manda uma criança para o castigo e especialmente se você bate nela é a mensagem: ‘Eu não quero ficar perto de você. Você é uma criança má’”.
Ela também não gosta de ameaças. “Você não pode aprender a administrar um sentimento punindo um comportamento. Podemos dizer aos nossos filhos o que vamos fazer, não o que eles não podem fazer. Falando: ‘Se você não parar de pular no sofá, você não receberá seu iPad’. Isso exige que meu filho faça alguma coisa. É por isso que ameaças e consequências não funcionam de verdade”.
Kennedy apresenta vários cenários para pais e cuidadores em vídeos em sua página do Instagram, e ela fez isso por mim.
A próxima vez que eu visse meus filhos brigando, ela sugeriu que eu dissesse: “’Eu não vou deixar você pegar o brinquedo dele’. Porque, na verdade, o que você está dizendo é: ‘Você é um ótimo garoto, mas está fazendo algo que não é uma grande decisão e porque eu te amo, vou impedi-lo’.
“Seus filhos não estão tomando boas decisões, porque não eles têm as habilidades para isso”, disse ela. “Você e seu marido têm que ensiná-los essas habilidades”.
Quando eles estão fazendo algo que não deveriam, ela sugere outra opção. Eu deveria dizer: ‘Não vou deixar você pular no sofá, mas você pode pular no chão’. Ou então: ‘Eu não vou deixar você dizer essas palavras aqui, mas você pode ir dizê-las no banheiro’”.
Emily Edlynn, psicóloga clínica infantil e autora do livro “Parenting for Autonomy: Stop Doing Their Laundry and Other Radical, Science-Backed Practices to Raise Self-Sufficient Kids” (“Paternidade para Autonomia: Pare de Lavar as Roupas Deles e Outras Práticas Radicais Baseadas na Ciência para Criar Filhos Autossuficientes”, na tradução livre), concordou que meu marido e eu podemos ensinar a eles as habilidades de que precisam aprender.
“Especialmente aos 2 e 4”, disse Edlynn, “eles não têm autorregulação quando o irmão os está contrariando. Eu sempre penso que nós [pais] somos seus cérebros. É por isso que deixá-los lutar até a morte não funciona. Ensinar algumas habilidades os ajuda à medida que seus cérebros se desenvolvem e os ajudará mais tarde na vida”.
É importante narrar o assunto em questão, ela disse: “Você pega o brinquedo e diz: ‘Ei, temos um problema’, e a criança de 4 anos provavelmente dirá que o irmãozinho pegou o brinquedo”.
“Você vai precisar narrar e identificar o problema com calma, e então esperamos que as suas emoções estejam acalmando. Trabalhando com eles para resolver o problema, você poderia dizer: ‘Como você acha que é para seu irmãozinho não ter o brinquedo que ele quer? Eu acho que ele sente muito ciúmes ou raiva’”.
Em seguida, separe as crianças e sente-se com a que está tendo um momento difícil.
“Você está co-regulando [as emoções] com ele. Eles precisam do conforto físico, da conexão individual”, disse Edlynn.
Eu tinha minhas dúvidas, mas prometi que tentaria as recomendações. Isso desescalou a situação muito mais rápido do que no passado. Normalmente, uma batalha na sala de jogos levaria 20 minutos para ser resolvida, mas na primeira vez que tentei as novas técnicas, consegui resolver a situação em menos de cinco minutos.
“O trabalho de uma criança é ter sentimentos”, Kennedy me disse. “Porque se você quer que seu filho um dia, quando adulto, seja capaz de lidar com a decepção ou o ciúme –que todos sabemos que os adultos sentem– você quer que eles tenham habilidades de enfrentamento para esses sentimentos. Uma criança tem que sentir os sentimentos. Então o trabalho deles é gritar: ‘Não, eu quero esse brinquedo!’”
Pratique, pratique, pratique
A prática leva à perfeição.
Kennedy sugeriu um exercício que meu marido e eu poderíamos fazer separadamente ou juntos: para pegarmos uma das crianças e encenarmos um cenário como a hora do jantar ou uma disputa por um brinquedo.
“Você está resolvendo problemas quando as coisas estão fáceis”, disse Kennedy. “É o equivalente a praticar um lance livre durante o treino ao invés de apenas esperar para treinar um lance livre quando o jogo já está rolando”.
“Pergunte ao seu filho de 4 anos: ‘Como seria se eu tivesse o bloco azul? Eu tenho o bloco azul. O que você pode fazer se eu tiver o bloco azul e você o quiser? Eu não vou deixar você me bater ou me agarrar porque isso não é seguro para ninguém, então eu me pergunto o que você faria?’”
Ambas as especialistas me disseram que ensinar nessa idade é criar limites a longo prazo.
“A forma como apresentamos informações aos nossos filhos é ao mesmo tempo construir sua própria compreensão e senso de responsabilidade e sua própria motivação interna para fazer as coisas de uma certa maneira”, disse Edlynn, “versus a postura mais controladora, [que] acaba funcionando a curto prazo, e então as crianças não estão aprendendo”.
Nunca vai ser perfeito
Edlynn, que tem três filhos, de 12, 10 e 7 anos, disse que todos nós devemos nos dar um tempo, lembrando que o cérebro das crianças ainda está em desenvolvimento. “Nós somos seus treinadores para seus cérebros”, disse ela, observando que está sempre perguntando: ‘Como meu filho pode aprender com este momento ou situação?’”
“Eu tenho uma criança de 10 anos, uma de 7 e uma de 4 anos em casa”, disse Kennedy. “Sou a primeira a precisar ler meu próprio Instagram e seguir meu próprio conselho. Eu também passo muitas coisas difíceis com meus filhos”.
“Não existe pai ou mãe perfeito”, disse ela. “Todos nós erramos”.
Fonte: cnnbrasil.com