Um ator, um satirista político, subestimado até por seus apoiadores, decide mudar de carreira e concorrer ao cargo público mais alto do país. É quase inconcebível. E, no entanto, esse homem tem algo que falta a muitos políticos – algo que lhe permite brilhar, especialmente em tempos de crise: ele é um excelente comunicador. Muitas das frases de Volodimir Zelenski, o atual presidente da Ucrânia, serão lembradas por muitos anos e acabarão entrando nos livros de história.
Em 12 de junho de 1987, no Portão de Brandemburgo, em Berlim, o ex-ator de Hollywood Ronald Reagan, então presidente dos Estados Unidos, declamou as palavras que, até hoje, são citadas sempre que alguém se refere ao período que encerrou a Guerra Fria: “Senhor Gorbachev, abra este portão, derrube este muro.”
Quase 45 anos depois, um homem com experiência em entretenimento semelhante fala com seus compatriotas em mensagens de vídeo como o líder nacional, dirigindo-se a eles como “Pessoas livres! País livre!”.
Zelenski diz coisas como: “Nós, ucranianos, somos uma nação pacífica. Mas se ficarmos calados hoje, amanhã partiremos!”. Ele critica ferozmente a falta de apoio do exterior: “Precisamos de uma coalizão antiguerra. Estamos defendendo nosso país sozinhos. As forças mais poderosas de todo o mundo estão apenas assistindo”.
De “Servo do Povo” a presidente da Ucrânia
Ronald Reagan morreu há 18 anos, mas muitos nos EUA ainda o reverenciam: para eles, ele é praticamente um santo. Zelenski parece estar construindo um status semelhante na Ucrânia. No entanto, não está totalmente claro o que acontecerá com ele nos próximos dias e semanas. Circulam relatos de que a Rússia pretende matá-lo. O próprio Zelenski especulou que um dos objetivos do ataque russo é derrubá-lo, e disse que o inimigo o declarou seu alvo número um.
Apenas alguns anos atrás, Zelenski era um ator e artista, que satirizou a corrupção e a má administração na Ucrânia ao interpretar o presidente ucraniano na popular série de televisão ucraniana O Servo do Povo. Eleito em 2019 como presidente, ele rapidamente se tornou um estadista sério, que parece capaz de dar o tom certo as suas falas, sem esforço, mesmo em momentos de crise. Talvez seja justamente porque, antes de se tornar presidente, ele era um ator cômico, apresentador e um artista com talento retórico notável, o que lhe permite usar as palavras para obter o maior impacto possível.
Zelenski como um excelente comunicador
Com a invasão russa, a situação na Ucrânia parece cada vez mais perigosa. E cada um dos apelos de Zelenski tem sido mais urgente e apaixonado do que o anterior. Observadores consideram seu discurso logo após o início da invasão russa como o melhor de sua vida. Emotivo, destemido e resoluto, ele disse às tropas russas: “Se vocês atacarem, verão nossos rostos, não nossas costas!”
O presidente ucraniano também domina perfeitamente a arte de se comunicar via Twitter. A cada poucas horas, escreve declarações concisas para o mundo. Ao meio-dia de sexta-feira, por exemplo, agradeceu a Suécia em ucraniano e inglês por sua assistência militar, técnica e humanitária, concluindo que eles estavam “construindo juntos uma coalizão anti-Putin”.
Duelo de mídia com Vladimir Putin
É parte da história paradoxal desta guerra que, enquanto em termos militares a Ucrânia está irremediavelmente atrás dos russos, quando se trata de retórica, Zelenski derrota Putin. Após o discurso confuso de uma hora do presidente russo, no qual ele reconheceu as regiões separatistas do leste da Ucrânia como “independentes”, o ucraniano Zelenski assegurou a seus compatriotas: “Não entrem em pânico! Estamos fortes e prontos para qualquer coisa. Vamos derrotar todos, porque nós somos a Ucrânia!” e, ao fazê-lo, evitou o pânico em massa.
Quando o presidente russo fala de alegações infundadas de “genocídio” no leste da Ucrânia e em “desnazificação” como pretexto para a guerra, soa como pura zombaria, especialmente para Zelenski. O chefe de Estado ucraniano – que cresceu em uma família de língua russa – é judeu. Seu avô, que esteve no Exército Vermelho, perdeu três irmãos no Holocausto.
No passado, aprovação no fundo do poço
Zelenski provavelmente nunca foi tão popular na Ucrânia quanto agora. No entanto, antes da guerra com a Rússia, muitos de seus compatriotas estavam tudo menos satisfeitos com seu chefe de Estado. Ele foi incapaz de cumprir a promessa ambiciosa que fez há três anos, de acabar com o conflito no leste da Ucrânia.
O progresso previsto nos acordos de Minsk não se concretizou – em vez disso, os acordos gradualmente se desintegraram completamente.
Além disso, o escândalo em torno dos Pandora Papers, nos quais Zelenski e pessoas próximas a ele estariam envolvidos, não passou despercebido. Uma investigação de uma rede internacional de jornalistas revelou que Zelenski possui empresas offshore que foram pagas indiretamente por um oligarca.
Guerra Fria se aproxima novamente
No final da década de 1970, Ronald Reagan era visto como um homem ultrapassado. Tinha falhado duas vezes em ser o candidato presidencial republicano, perdendo as primárias para Richard Nixon, em 1968, e Gerald Ford, em 1976. Mas então, em 1979, a União Soviética invadiu o Afeganistão, a Guerra Fria estourou novamente e, um ano depois, Reagan venceu a eleição dos EUA contra o então presidente democrata Jimmy Carter.
Mais de quatro décadas depois, após o ataque da Rússia à Ucrânia, o mundo enfrenta uma nova versão da Guerra Fria. E o papel de Volodimir Zelenski ainda não foi determinado.