O Brasil teve um importante papel no episódio que impulsionou a criação do Estado de Israel. Após a Segunda Guerra Mundial, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas que definiu a partilha da Palestina, o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha articulou pela aprovação da proposta quando presidiu a sessão. A divisão não solucionou o conflito, mas, segundo especialistas, contribuiu para direcionar a relação do Brasil com o Oriente Médio.
Oswaldo Aranha já era um político prestigiado quando representou o Brasil na ONU em 1947. Uma dose de sorte colaborou para que o diplomata assumisse a posição de destaque internacional naquele ano. Afastado do Executivo com o fim do governo de Getulio Vargas, o ex-chanceler brasileiro viajou aos Estados Unidos para participar de um congresso no estado de Ohio e, até então, não tinha relação com a delegação oficial enviada à sede da ONU, em Nova York.
Contudo, o embaixador Pedro Leão Velloso, que liderava o grupo, infartou e o presidente da época, o general Eurico Gaspar Dutra, convidou Aranha para substituir o colega na presidência rotativa do Conselho de Segurança. O ex-ministro aceitou o convite.
“Era o diplomata certo, na hora certa”, diz Fernando Brancoli, professor de Segurança Internacional e Geopolítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Oswaldo Aranha era um político experiente, muito próximo do presidente Getulio Vargas e, ao mesmo tempo, com histórico interessante. A elite política era muito concentrada naquela época, então era mais fácil que pessoas que tinham tido cargos voltassem ao poder”.
Presidência da Assembleia
A Organização das Nações Unidas foi criada em 1945, para substituir a Liga das Nações com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota dos países do Eixo, alinhados ao regime nazista. Logo, havia um impasse sobre a situação dos territórios palestinos que estavam sob o mandato da Inglaterra. Em meio à emergente Guerra Fria, os ingleses acionaram a ONU para definir os rumos da tensão que se instalava na região habitada por palestinos e para onde seguiam imigrantes judeus.
Por isso, o órgão convocou a primeira sessão extraordinária da Assembleia-Geral, que na época contava com 57 países-membros, entre eles o Brasil. Na reunião de 15 de maio de 1947, o colegiado decidiu instalar um Comitê Especial para avaliar as condições da partilha da Palestina, já sob a presidência de Aranha, que foi reconvocado por Dutra.
O grupo de 11 países que compuseram o comitê apresentou um relatório com a proposta de solução durante a segunda sessão da Assembleia, instalada quatro meses depois. Naquela ocasião, Oswaldo Aranha foi eleito pelos demais delegados para presidir os trabalhos mais uma vez.
Desse modo, ele detinha o poder de encaminhar as discussões que seriam realizadas na Assembleia. A pauta incluía a deliberação sobre a partilha da Palestina. O relatório final do Comitê Especial sugeriu a criação de dois estados — um judeu e outro árabe — e que Jerusalém, cidade relevante para judeus, mulçumanos e cristãos, ficaria sob gestão internacional.
Incerteza e articulação
A resolução não convenceu a todos os países, e a maioria deles se declarou neutro em uma primeira consulta. Parte dos membros, sobretudo árabes, contestavam a divisão da Palestina em oito áreas, e colocavam sob ameaça a aprovação do texto, a qual tinha apoio dos Estados Unidos e da União Soviética. Eram necessários dois terços dos votos na Assembleia. Diante desse cenário de incerteza, Oswaldo Aranha pôs em prática sua experiência como político.
O pleito final iria ocorrer na véspera de um feriado. Por isso, ele adiou a votação para depois da data festiva. Assim, os favoráveis ao estado judeu teriam mais tempo para convencer os colegas indecisos a apoiar a solução de dois estados. Em outra frente, o diplomata persuadiu os colegas latino-americanos a votarem a favor da resolução.
“Ele fez um cálculo de maneira habilidosa, fazendo uma costura política de interesses de países não só do Norte, mas também com Moscou, e há registros de discussões com a Jordânia e países do entorno”, explica Brancoli.
Nas negociações, Aranha apelou ao argumento da inevitabilidade das questões: o estado teria de surgir, e essa seria a oportunidade para que os países direcionassem esse processo como fosse mais conveniente. Com essas estratégias, a resolução 181 foi aprovada por 33 votos favoráveis, 13 contrários, 10 abstenções e uma ausência.
Ao anunciar a contagem, Aranha foi aplaudido de pé pelos demais delegados. “Ele tinha habilidade de conversar, trazer pontos de vista diferentes para a mesa”, afirma Brancoli. A mensagem foi transmitida pelo rádio. O tema despertou interesse mundial na época, após o Holocausto.
O acordo foi celebrado por judeus, mas refutado pelos árabes. Com isso, ao invés de arrefecer o conflito, a resolução acirrou a situação. Sete meses depois da decisão, e com a saída das tropas inglesas do território, a Agência Judaica declarou a independência de Israel, o que levou à reação da Liga Árabe, deflagrando a Guerra de 1948.
“O plano coordenado por Osvaldo Aranha foi sendo atropelado por Israel até praticamente desaparecer no horizonte diplomático e político”, avalia o professor de Relações Internacionais Roberto Goulart, da Universidade de Brasília (UnB). Com a guerra, Israel ampliou seu território sobre os palestinos para limites além dos estabelecidos no plano de partilha. Os palestinos ficaram com a Faixa de Gaza e a Cisjordânia.
Carreira política
Formado em Direito, Oswaldo Aranha começou a carreira no Rio Grande do Sul, estado pelo qual foi deputado federal. Ele ingressou na política pelo campo de batalha, depois de participar de revoltas armadas, como a Revolução de 1930, movimento que encerrou a República Velha e levou Getulio Vargas ao poder.
Antes de chegar à ONU, Oswaldo Aranha estabeleceu uma relação de proximidade entre o Brasil e os Estados Unidos. Entre 1933 e 1937, liderou a embaixada brasileira na capital americana. Também foi Ministro das Relações Exteriores entre 1938 e 1944 durante a presidência de Vargas. Além de chanceler, ele ainda chefiou as pastas da Justiça e da Fazenda.
Legado diplomático
A atuação de Oswaldo Aranha na ONU deixou um legado para a diplomacia brasileira, ao inaugurar as relações internacionais com israelenses, consolidar o diálogo com palestinos e manter a defesa da existência dos dois estados e autodeterminação dos povos. Aranha é homenageado em diversos pontos de Israel. A Fundação de Jerusalém fundou uma praça com o nome de Oswaldo Aranha na cidade.
Já o Brasil se colocou como opção viável de diálogo em meio à dicotomia entre os países durante conflitos em curso. Foi assim em 1947, e é assim agora. Para os especialistas, o país ainda busca manter um papel relevante na arena internacional em meio aos debates sobre a solução para o conflito israelo-palestino.
O país deixou a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU no final de outubro. Enquanto esteve na liderança do colegiado, o Brasil propôs uma resolução para a abertura de um corredor humanitário na Faixa de Gaza. Ainda que tenha conseguido angariar 12 votos, suficientes para aprovação da proposta, a medida foi rejeitada após o veto dos Estados Unidos.
Brancoli diz que o Brasil é um mediador inesperado no conflito. “Um dos grandes benefícios é que o Brasil tem acessos, consegue conversar com palestinos e israelenses, com Irã, Arábia Saudita e Estados Unidos”.
Fonte: dw.com