Imposto seletivo tem natureza comportamental, mais do que arrecadatória
A reforma tributária segue em discussão no Senado federal e, entre os principais pontos de embate, está a criação do chamado ‘imposto do pecado’, que nada mais é do que uma cobrança superior de tributos em produtos que causam danos à saúde. Com isso, cerveja, tabaco e até açúcar podem ser sobretaxados na nova reforma.
O nome técnico para essa tributação é “Imposto Seletivo (IS)”, que incidirá na produção, comercialização ou importação de produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O IS irá se somar ao IBS e ao CBS, que unificam tributos federais e estaduais.
A principal finalidade do IS é fazer com que o governo tenha meios de desestimular o consumo de determinados produtos.
No Brasil, no entanto, ainda falta definir quais produtos teriam incidência do imposto. Atualmente, bebidas alcoólicas e cigarros já são sobretaxados.
No texto da PEC, o imposto aparece como um tributo de caráter extrafiscal, de competência da União. Nessas horas, cada fabricante tenta salvar o seu por meio de lobbies no Congresso Nacional.
Por exemplo, no caso das bebidas, os vendedores de cachaça torcem para que o governo lide com a tese de que “álcool é álcool” e taxe todas as bebidas com a mesma alíquota.
Na União Europeia, por exemplo, não funciona assim. Lá, o imposto varia conforme o percentual alcoólico e quantidade de produtos adicionados.
Além disso, a Câmara aprovou que produtos da cesta básica terão imposto zerado. No entanto, não definiu quais produtos serão componentes da cesta. Com isso, até mesmo alimentos prejudiciais à saúde, como açúcar e ultraprocessados, tentam manter a isenção.
Segundo Eduardo Natal, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, o imposto não deveria ser observado pela ótica da arrecadação, mas a indução de comportamentos.
“Entendo que deveriam ser observados dados científicos para embasar a cobrança do “imposto do pecado”. Entretanto, merece bastante atenção o aspecto extrafiscal, para que o Estado não se sirva desse tributo como um subterfúgio que vise preponderantemente a arrecadação, pois, desse modo, se desvirtuaria na minha opinião o objetivo dessa tributação”, comenta.
Zona Franca de Manaus
Criada em 1967, a Zona Franca de Manaus isenta de imposto os produtos fabricados nos estados da Amazônia Legal. A PEC da reforma manteve esse benefício tributário, inclusive, permitindo que o Imposto Seletivo seja usado também para taxar produtos análogos aos fabricados na Zona Franca.
Mesmo sem produzir malefícios à saúde ou ao meio ambiente, produtos podem acabar taxados por causa da mudança feita na Câmara para proteger a Zona Franca de Manaus, no artigo 92.
Entre esses produtos, estão eletrodomésticos, celulares, televisores e até bicicletas, que vão na contramão da ideia original do “pecado”.
“Esse ponto é bastante complexo, pois em não sendo sobretaxados os produtos da ZFM, os produtos similares produzidos fora da área beneficiada se tornarão mais caros, o que afetará a livre concorrência”, afirma Eduardo Natal.
“Além disso, há também a questão da manutenção ou não dos créditos tributários decorrentes das aquisições dos insumos para a produção dos bens ou até mesmo decorrentes das compras para revenda efetuadas na cadeia mercantil. Se esse regramento não for objeto de especial atenção e ótima técnica legislativa, poderemos ter problemas sistêmicos na execução do novo modelo de tributação trazido pela PEC 45”, completa.
A reforma também traz desafios políticos, uma vez que ainda precisa passar pela aprovação no Senado e pode sofrer modificações ao longo do processo. O período de transição dos tributos antigos para os novos será de 8 anos, com início previsto para 2026.
Além disso, todos os produtos terão alíquota definida por meio de lei complementar, o que também deve ter influência da política.
Fonte: economia.ig.com.br