A polícia paulista vem promovendo uma caçada a moradores em favelas de Guarujá, no litoral paulista, nos últimos dois dias, em represália à morte de um policial militar da Rota, força especial da PM paulista, ocorrida na última quinta-feira (27/07), segundo relatos de moradores ouvidos em condição de anonimato.
Eles afirmam que as favelas da Vila Zilda estão sitiadas e dizem se sentirem ameaçados.
“Há um efetivo gigantesco, circulando sem identificação, invadindo as casas, batendo nas pessoas, quebrando as coisas. Eles estão aterrorizando”, denunciou um morador cujo primo foi morto no fim de semana.
O homem de 30 anos e pai de uma menina de seis anos teria sido morto por ter antecedentes criminais.
Até 16 pessoas já teriam sido mortas nos últimos dias. A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) afirma que 12 morreram “ao entrarem em confronto com as forças de segurança”. Já os moradores das comunidades usam os dados dos próprios policiais em redes sociais, que se vangloriam de 14 mortes, e a elas se somam duas ocorridas na manhã desta segunda-feira.
“Eles dizem que matarão 30 onde meu primo foi morto e 30 onde o policial foi morto. De dia é perigoso, mas de noite, ainda mais, já que eles estão contando e comemorando os corpos; qualquer pessoa com antecedentes ou tatuagem, eles parecem ter ordem de matar”, afirma o parente.
Outra moradora, que trabalha com serviço de entrega de refeições, diz viver sob tensão pelos filhos e os profissionais que fazem os transportes.
“Eles não devem nada para as autoridades, mas sabemos como eles tratam motoqueiros, então fico muito preocupada”, diz.
Em nota à DW, a SSP-SP disse que determinou que todos os casos sejam investigados pela Divisão Especializada de Investigações Criminais (DEIC) de Santos e pela Polícia Militar por meio de Inquérito Policial Militar (IPM).
“As imagens das câmeras corporais serão anexadas aos inquéritos em curso e estão disponíveis para consulta irrestrita pelo Ministério Público, Poder Judiciário e a Corregedoria da PM”, diz a nota.
Governo: “Não houve excesso”
A Operação Escudo, da Secretaria de Segurança Pública, foi deflagrada neste final de semana após o assassinato do soldado da Rota Patrick Bastos Reis, de 30 anos, e conta com um efetivo de mais de 600 policiais, entre militares e civis, segundo o governo do Estado. Reis foi morto na quinta-feira durante ação rotineira de patrulhamento na região.
Um grande cortejo foi realizado no centro de São Paulo em homenagem ao soldado, com dezenas de pessoas e veículos das polícias e bombeiros e que fechou as avenidas Paulista e da Consolação rumo ao cemitério do Araçá na tarde de sexta-feira.
O cabo Fabiano Oliveira Marin Alfaya, que o acompanhava no patrulhamento, foi atingido na mão e internado, mas está fora de perigo.
Nesta segunda-feira, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) falou à imprensa ao lado do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL), e elogiou a operação que resultou em dez pessoas detidas e desencadeou a onda de mortes e tensão na Baixada Santista.
“Não houve hostilidade, não houve excesso; houve uma atuação profissional e que nós manteremos”, afirmou o governador, dizendo que “apenas pessoas que atacaram policiais foram mortas”. “Nós não vamos deixar passar impune uma agressão contra um policial. Não é possível que o crime possa agredir um policial e sair sem punição.”
O Instituto Sou da Paz lamentou a morte do soldado Reis, criticou que a resposta tenha sido dada com mais mortes e relembrou a ameaça de Freitas em campanha ao governo estadual de encerrar o programa de câmeras corporais, que resultou na queda da letalidade policial no Estado em quase 63%, passando de 697 mortes em 2019 para 260 em 2022.
“Essa atitude, aliada aos poucos compromissos públicos sobre a importância do controle do uso da força, também ajuda a explicar o crescimento de 28% nas mortes cometidas por policiais em serviço no estado de São Paulo no primeiro semestre de 2023”, afirmou o instituto.
“Os eventos em Guarujá não podem ser lidos como um caso isolado e remetem a outros ciclos de violência após a morte de um policial. Ainda mais preocupante, esses eventos se inserem em um contexto de fragilização do bem-sucedido programa de gestão do uso da força, que culminou com a expressiva redução da letalidade policial com o uso de câmeras corporais”, reforça, destacando ainda os relatos, por intermédio da Ouvidoria de Polícia, de ameaças de tortura e de execuções feitas por policiais na região
Mortes festejadas
Fotos dos corpos desfigurados nos necrotérios têm sido divulgadas em tom de deboche em grupos de WhatsApp de Guarujá, enquanto parentes relatam serem impedidos de ter acesso aos corpos no necrotério.
“Não nos deixaram ver meu primo, mas pouco depois as fotos dele cheio de marcas de agressão estavam rodando em grupos de WhatsApp da cidade com a legenda ‘mais um mala alvejado'”, diz um comerciante. Segundo ele, o celular e a chave do carro tampouco foram devolvidos à família.
Nas redes sociais, um soldado da PM tem feito a contagem dos mortos em mensagens em tom de deboche. “Saldo do Guarujá: informações de que 6 anjinhos estão em descanso eterno”, dizia numa postagem. Outros policiais com dezenas de milhares de seguidores também fazem postagens semelhantes.
Ao som de músicas como Brilha, brilha estrelinha e Hoje as pessoas vão morrer, o ex-policial e suplente de deputado estadual Luiz Paulo Madalhano Magalhães festeja as mortes ocorridas na Baixada Santista, enquanto conta o “saldo extra oficial” de 16 mortes – 11 delas realizadas por policiais da Rota.
Questionada sobre a conduta dos membros e ex-membros da corporação festejando as mortes, a Secretaria de Segurança Pública de SP não se manifestou.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado neste mês pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 13% das mortes violentas no país em 2022 foram cometidas por policiais em serviço ou fora dele – 95% delas por PMs. Em São Paulo, membros das forças de segurança foram responsáveis por 419 mortes das 3.735 ocorridas em todo o estado, o menor índice de mortalidade violenta no país.
Segundo a publicação, uma taxa acima de 10% configura uso abusivo da força por parte das polícias. “Nas proporções observadas no Brasil, o indicador denota que as mortes causadas pelas polícias ocupam um espaço muito significativo e destacado entre os agentes sociais causadores de mortes violentas intencionais”, relata, destacando ainda a proporção entre policiais e civis mortos em supostos confrontos.
“Os números observados contrariam a narrativa padrão de uso proporcional e reativo da força policial, de que as mortes ocorreriam em decorrência de confrontos”, afirma o documento. Em São Paulo, onde ocorre a ação desde sexta-feira, foram 33 policiais mortos contra 419 mortes cometidas por agentes de segurança, uma proporção de mais de 12 para 1.
Suspeito se entrega
Erickson David da Silva, conhecido como Deivinho, se entregou à polícia na zona sul de São Paulo pedindo o “fim da matança” na baixada santista. Em vídeo gravado antes de se entregar à polícia, Silva pede: “Quero falar para o Tarcísio e o Derrite pararem de fazer a matança aí, matando uma pá de gente inocente, querendo pegar minha família, sendo que eu não tenho nada a ver. Estão me acusando. É o seguinte, vou me entregar, não tem nada a ver”. Em um segundo vídeo, já detido e na corregedoria da PM, seu advogado agradece por sua integridade física ter sido mantida.
Segundo as investigações, Silva teria matado Reis com um tiro de pistola 9mm de uma posição elevada a 70 metros de distância, atingindo a axila do soldado. Silva nega ser o autor do disparo.
Fonte: dw.com