Presidente dos Estados Unidos garante apoio constante à Ucrânia, por meio do G7, sem atender imediatamente às exigências de Volodymyr Zelensky, e ainda encaminha adesão da Suécia à aliança militar, dobrando resistência da Turquia
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conseguiu quase tudo o que queria na cúpula da Otan, em Vilnius, Lituânia.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, apostou alto e foi longe, garantindo um suprimento constante do G7 para o rearmamento permanente de seu país. Só que não obteve a garantia da defesa coletiva que a adesão à Otan traria.
Já a Rússia teve seu fracasso estratégico e militar escancarado, mas certamente verá a institucionalização do apoio à Ucrânia como confirmação de suas suspeitas sobre o Ocidente.
Além disso, a reunião organizada por um antigo estado satélite soviético – cujo status como membro da Otan lhe garante a liberdade, independência e prosperidade que Zelensky tanto anseia – foi ofuscada pelo tormento do povo ucraniano.
“A maneira como eles estão agindo parece algo saído do século 14”, comparou Biden ao falar dos ataques russos contra civis.
Zelensky, que entrou na cúpula como convidado cheio de frustrações com a falta de vontade da aliança de lhe dar um prazo para a adesão à Otan, no fim contextualizou o que significa ajuda dos EUA e do Ocidente. Ele fez declarações comoventes para Biden.
“Vocês gastam esse dinheiro com nossas vidas. E acho que salvamos as vidas para a Europa e para todo o mundo”, disse Zelensky a Biden.
Os resultados da cúpula
A cúpula terminou na quarta-feira (12) com uma declaração conjunta dos líderes do G7 para que suas nações negociem compromissos bilaterais de segurança de longo prazo para que a Ucrânia construa suas defesas terrestres, marítimas e aéreas e assim detenha futuros ataques russos. O movimento é uma medida no meio do caminho projetada para ajudar a Ucrânia até um momento futuro em que ela poderia se juntar à Otan. Assim, o país poderia desfrutar do princípio de “o ataque a um é um ataque a todos”, a principal diretriz da organização. Mas a aliança ainda não determinou essa data.
Zelensky chegou à cúpula classificando a recusa do bloco em oferecer uma linha do tempo para sua adesão como “absurda”. Mas Biden insistiu que a concessão de adesão agora significaria que os estados da Otan teriam de entrar em guerra contra a Rússia – uma escalada desastrosa que ele desesperadamente tenta evitar.
Embora os líderes tenham facilitado o caminho para a eventual adesão da Ucrânia no futuro, eles adiaram uma decisão geopolítica fatídica, possivelmente deixando-a para os seus sucessores, afirmando que ainda não havia condições econômicas e políticas para o país aderir à Otan.
Outro momento histórico da cúpula foi a súbita queda do seu veto pela Turquia a respeito da Suécia, que se tornaria o 32º membro da aliança. A aprovação aconteceu após meses de diplomacia dos bastidores negociada pelo governo Biden – no exterior e no Congresso dos EUA.
Na quarta-feira (12), já em viagem a outro novo membro, a Finlândia, o presidente Biden destacou a expansão da aliança, uma parte significativa de seu legado, que acabou sendo apressada pela invasão da Ucrânia. Os dois vizinhos nórdicos deixaram para trás décadas à sombra da Rússia para se candidatarem à adesão à Otan depois de se sentirem ameaçados pelo esforço de Putin para reescrever o mapa da Europa pós-Guerra Fria. A entrada da Finlândia ilustra como a invasão agiu contra o próprio Putin no palco continental ao entregar à aliança militar uma fronteira com a própria Rússia com centenas de quilômetros de comprimento.
Como Biden controlou a cúpula
Mais importante líder na Otan, Biden foi à cúpula determinado a equilibrar o apoio ocidental à luta existencial da Ucrânia, por um lado, e o afastamento do início de uma guerra com a Rússia, uma superpotência nuclear, por outro. Ele também precisava lembrar aos americanos por que bilhões de dólares em dinheiro dos contribuintes devem continuar a ser enviados para Kiev. O tema está se tornando uma questão da campanha presidencial de 2024. Antes de deixar a Lituânia, o presidente americano advertiu Putin de que a cúpula era uma evidência de que a aliança ocidental não iria vacilar.
“Quando Putin e sua cobiça por terra e poder desencadearam sua guerra brutal contra a Ucrânia, ele apostava que a Otan iria rachar. Ele pensou que a nossa unidade iria quebrar na primeira prova. Ele achava que os líderes democráticos seriam fracos. Mas ele pensou errado”, discursou Biden na Universidade de Vilnius.
O presidente disse à CNN que a adesão à Ucrânia neste momento era impossível, dada a guerra furiosa com a Rússia. Mas ele também disse a Zelensky na quarta-feira que entendia como as condições do Ocidente podem parecer irracionais, dado o horror que se desenrola na Ucrânia.
“Eu só posso imaginar a frustração”, declarou.
Envolver as nações do G7 num fluxo permanente de envio de armas para a Ucrânia foi uma solução criativa para satisfazer as suas necessidades futuras, ao mesmo tempo em que se obedece às restrições impostas na relação entre o governo ucraniano e a Otan. Se realizado, o esquema pode efetivamente tornar a Ucrânia uma liderança armada pelo Ocidente que pode não estar formalmente “dentro” da aliança, mas ainda assim será um elemento fundamental da sua posição de avanço na Europa. A certeza oferecida pela perspectiva de compras de material bélico a longo prazo também pode expandir o setor de defesa na Europa e nos EUA e aliviar uma crise na obtenção de munições para a Ucrânia.
É irônico pensar que o G7 era G8 até a expulsão da Rússia por causa de sua invasão da Crimeia em 2014 e agora será a entidade que poderá transformar a Ucrânia em um estado de defesa moderno no futuro.
De certa forma, o acordo do G7 também vai servir para consolidar o compromisso dos EUA e líderes aliados com a Ucrânia nos próximos anos e tornar as políticas de Biden mais difíceis de reverter. A Ucrânia deve se preocupar com o fato de um futuro presidente dos EUA – talvez o antigo comandante-em-chefe, Donald Trump – poder reduzir o apoio americano. O ex-vice-presidente de Trump, Mike Pence, por exemplo, alertou na CNN na terça-feira que o desejo de seu ex-chefe de acabar com a guerra em 24 horas só poderia ser visto como “dar a Vladimir Putin o que ele quer”.
Embora os críticos possam reclamar que o governo esteja fazendo muito pouco para ajudar a Ucrânia – ou aos olhos de alguns conservadores, esteja fazendo até demais – a cúpula destacou o conforto de Biden no cenário mundial, mesmo que o fato não se reflita nas pesquisas de popularidade.
A decisão do presidente de pular um jantar de líderes na terça-feira colocou foco na sua idade avançada, 80 anos, que é uma questão legítima na corrida presidencial de 2024. No entanto, a coreografia do presidente da cúpula para cumprir os objetivos dos EUA demonstrou uma considerável capacidade diplomática e engolfou as divisões – sobretudo no caso Suécia e no desejo de alguns membros da Europa Oriental de oferecer à Ucrânia um caminho mais rápido para a adesão.
A experiência de Biden como parlamentar – e a escolha de um ex-senador republicano, Jeff Flake, como embaixador dos EUA na Turquia, trabalhando para superar as preocupações do Congresso sobre a venda de caças F-16 à Turquia – pode ter sido crucial para aprovar a entrada da Suécia na Otan. O entendimento do presidente sobre as forças políticas que pesam sobre os colegas líderes também foi perceptível quando elogiou publicamente duas vezes o primeiro-ministro japonês Fumio Kishida por se inscrever no programa de ajuda do G7 para a Ucrânia.
Ele também recebeu boas notícias para trazer de volta aos EUA, com novos dados mostrando que o aumento do custo de vida anualizado caiu para 3% em junho, aumentando suas esperanças de neutralizar ataques do Partido Republicano sobre a “inflação de Biden”.
Mais uma vitória da Ucrânia
Zelensky entrou em Vilnius em seu estilo típico, usando pressão moral e midiática para pressionar os líderes da Otan a ir mais longe em suas garantias. Seu tom arriscou ofender líderes estrangeiros que enfrentaram perguntas em seus países sobre o financiamento da resistência ucraniana.
Ainda assim, a veemência de Zelensky é compreensível, uma vez que ele não tem apenas um eleitorado inquieto para acalmar. Suas tropas estão lutando batalhas sangrentas em que a moral é vital e uma ofensiva há muito planejada se move mais lentamente do que o esperado.
Os civis também estão sob ataque. Na quarta-feira, por exemplo, a Rússia causou espanto entre os presentes da cúpula ao lançar ataques aéreos contra a região de Kiev.
Ainda assim, as táticas de Zelensky de apostar alto e espremer tudo o que puder do Ocidente podem ter funcionado novamente na forma do programa G7.
O potencial para as tensões para as quais a Otan estava preparada chegou ao ponto de uma conversa tensa na quarta-feira entre o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan, e a ativista ucraniana Daria Kaleniuk, em Vilnius.
“Por favor, me aconselhe: o que devo dizer ao meu filho? Que o presidente Biden e a Otan não convidaram a Ucrânia para a Otan porque ele tem medo da Rússia?”, perguntou a ativista. Sullivan respondeu que os americanos merecem “gratidão” por apoiar a Ucrânia e descartou perguntas sobre os motivos de Biden.
No final do dia, no entanto, Zelensky declarou “uma vitória significativa da segurança”. Ele tratou da ajuda do G7 como “garantias de segurança”, embora o acordo possa ser descrito com mais precisão como compromissos de segurança, uma vez que não há certeza da futura entrada no país na Otan.
Os líderes ocidentais, entretanto, sabem que não vai demorar muito até que o seu incansável colega ucraniano peça mais. A pressão constante desmantelou frequentemente os limites impostos e garantiu sistemas de armas de alta tecnologia, tanques e até a promessa de caças F-16 para o esforço de guerra.
Os custos da “fixação” de Putin
A entrada da Suécia na Otan e o apoio a longo prazo do G7 à Ucrânia enfraqueceram a posição estratégica da Rússia. Mesmo assim, o risco de guerra contra Moscou, incluindo um reconhecimento implícito de seu arsenal nuclear, ainda baliza até onde e com que velocidade Biden deve conduzir o caso até permitir a entrada da Ucrânia no clube ocidental.
A Rússia jogou com essa realidade quando o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, condenou a cúpula por sua “natureza antirrussa pronunciada e concentrada” e reclamou que a Rússia foi tratada como uma inimiga e não como um adversário.
Os líderes da Otan também devem se preocupar se a perspectiva renovada de adesão à aliança para a Ucrânia (mesmo sem uma data certa) dará à Rússia um novo incentivo para garantir que a guerra nunca termine com um acordo formal de paz.
E ninguém no governo dos EUA tem ilusões sobre a probabilidade de Putin renunciar às suas alegações ilegais sobre a Ucrânia enquanto ainda está no poder.
O diretor da CIA, William Burns, disse no fórum Ditchley Park no Reino Unido no início deste mês que passou a maior parte das últimas duas décadas tentando entender e combater a “combinação inflamável de queixas, ambição e insegurança que Putin incorpora”. Ele adicionou: “Uma coisa que aprendi é que é sempre um erro subestimar a fixação de Putin com o controle da Ucrânia, sem o que ele acredita ser impossível para a Rússia ser uma grande potência ou ele ser um grande líder russo.”
Fonte: cnnbrasil.com.br