Uma enorme quantidade de água quente vem se movimentando lentamente através da zona tropical do Oceano Pacífico, em direção à América do Sul.
Este movimento de água e calor deu início a um fenômeno climático que irá trazer mudanças acentuadas dos padrões climáticos em todo o mundo nos próximos meses.
Os climatologistas recentemente anunciaram que o fenômeno climático El Niño já se formou e irá se fortalecer até o final do ano e durante os primeiros meses de 2024.
Eles alertam que existem grandes possibilidades de que o El Niño seja particularmente forte este ano. E, se as previsões se confirmarem, os impactos podem ser significativos.
Os cientistas já alertaram que, com o aumento das emissões de carbono e o forte El Niño deste ano, existe 66% de possibilidade de que o planeta ultrapasse o limite de aquecimento global de 1,5° C em pelo menos um ano, até 2027.
Mas o fenômeno pode também trazer padrões meteorológicos extremos e perigosos, como fortes chuvas e enchentes, em partes dos Estados Unidos e em outros países, no final deste ano e no início do ano que vem.
Prejuízos trilionários
El Niño e La Niña são fenômenos de ocorrência natural que alteram os padrões climáticos em todo o mundo.
Durante o El Niño, as temperaturas da superfície do Oceano Pacífico são mais altas do que o normal. E La Niña é o seu oposto mais frio, em que as temperaturas do oceano estão abaixo do padrão.
“Nossa previsão é que o El Niño continue até o inverno [no hemisfério norte – verão no hemisfério sul] e a probabilidade de que ele se torne um forte evento ao atingir seu pico é bastante alta, de 56%. A possibilidade de um evento pelo menos moderado é de cerca de 84%”, segundo Emily Becker, diretora do Instituto Cooperativo de Estudos Marinhos e Atmosféricos da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, no blog da Administração Nacional Atmosférica e Oceânica (NOAA, na sigla em inglês) americana.
E os efeitos podem também reverberar por algum tempo no futuro. Um estudo recente de pesquisadores do Dartmouth College em Hanover, no Estado americano de New Hampshire, estima que o El Niño que se inicia em 2023 pode custar até US$ 3,4 trilhões (cerca de R$ 16,6 trilhões) para a economia global nos próximos cinco anos.
Pesquisadores também afirmam que, após dois eventos poderosos recentes do El Niño, em 1982-83 e 1997-98, o PIB dos Estados Unidos foi 3% menor do que o esperado meia década depois. Se um evento com magnitude similar acontecesse agora, o custo calculado para a economia americana seria de US$ 699 bilhões (cerca de R$ 3,4 trilhões).
É preciso observar que países tropicais costeiros, como a Indonésia e o Peru, sofreram queda de 10% do PIB após os mesmos fenômenos, segundo os pesquisadores. Eles projetam que as perdas econômicas globais neste século somarão US$ 84 trilhões (cerca de R$ 410 trilhões), com as mudanças climáticas aumentando a frequência e a potência do El Niño.
“O El Niño não é apenas um choque do qual a economia se recupera imediatamente”, afirma Justin Mankin, professor de geografia do Dartmouth College e um dos autores do estudo.
“O nosso estudo demonstra que a produtividade econômica após o El Niño é reduzida por muito mais tempo do que simplesmente o ano após o fenômeno.”
“Quando falamos em El Niño aqui nos Estados Unidos, significa que o tipo de impactos que iremos ver, como enchentes e deslizamentos, normalmente não tem cobertura de seguro na maioria das empresas e residências”, segundo Mankin. Na Califórnia, por exemplo, 98% dos proprietários de casas não têm seguro contra enchentes.
Outros impactos econômicos nos Estados Unidos podem incluir danos à infraestrutura causados por enchentes – que causariam interrupções das cadeias de abastecimento – e queda das colheitas, causada por enchentes ou seca, diz Mankin.
Desastres e doenças
As pessoas nos Estados Unidos devem se preparar para um inverno especialmente desastroso este ano, se houver a chegada do El Niño?
Não necessariamente. O El Niño pode causar períodos de fenômenos climáticos extremos na América do Norte, mas nem sempre é o que acontece.
Durante o El Niño, os ventos que, normalmente, empurram a água mais quente do Oceano Pacífico para o extremo oeste se enfraquecem.
Isso permite que a água aquecida retorne para o leste e se espalhe por uma área maior do oceano.
Este fenômeno aumenta a concentração de umidade no ar acima do oceano mais quente, o que altera a circulação de ar na atmosfera em todo o mundo.
Nestas condições, o Canadá e o norte dos Estados Unidos tipicamente têm clima mais quente e seco do que o normal, enquanto os Estados do sul e o litoral do Golfo do México tendem a ter condições mais úmidas, segundo David DeWitt, diretor do Centro de Previsões Climáticas do NOAA.
O fenômeno também costuma reduzir o número de furacões no Oceano Atlântico, mas pode gerar mais furacões no Pacífico, na costa oeste dos Estados Unidos. Todos esses efeitos dependem, em grande parte, da potência do El Niño responsável pelas mudanças.
O sul dos Estados Unidos é a região mais propensa a sofrer impactos severos, incluindo fortes chuvas e possíveis inundações repentinas, segundo DeWitt.
Estes fenômenos se seguiriam aos vários anos de seca ocorridos após três anos consecutivos de La Niña.
“O que frequentemente acontece [durante o El Niño] é que, quando a chuva vem, ela vem com muita rapidez”, explica DeWitt.
“Isso pode causar deslizamentos de terra na Califórnia e em outros lugares onde tenham ocorrido incêndios florestais, o que pode causar grande devastação.”
Os deslizamentos ocorrem porque a terra queimada retém menos quantidade de água, que pode escoar perigosamente.
Os fortes eventos causados pelo El Niño em 1997-98 e 2015-16, por exemplo, incluíram enchentes e deslizamentos na Califórnia. E a estação de 1997-98 também foi associada a outros eventos extremos incomuns em outras partes dos Estados Unidos, como fortes tempestades de gelo na Nova Inglaterra (nordeste do país) e tornados mortais na Flórida.
Mas as mudanças dos padrões climáticos causadas pelo El Niño também trazem outros problemas. Doenças infecciosas, por exemplo, podem ter maior incidência em áreas onde as condições favorecem a proliferação de insetos e outras pragas transmissoras.
Um estudo sobre o fenômeno El Niño ocorrido em 2015-16 concluiu que os surtos de doenças foram 2,5% a 28% mais intensos.
Na Califórnia, houve aumentos dos casos de infecção pelo vírus do Nilo Ocidental, transmitido por mosquitos.
Já Novo México, Arizona, Colorado, Utah e o Texas observaram aumento dos surtos de síndrome pulmonar por hantavírus, que é principalmente transmitido por roedores.
Houve até aumento do número de casos de peste em seres humanos – embora ainda sejam poucos – no oeste e sudoeste dos Estados Unidos.
‘Cada 0,1° C importa’
Durante o El Niño, muito calor e umidade são transportados dos trópicos em direção aos polos.
“Quando você aumenta a umidade em latitudes maiores, ela captura mais radiação infravermelha térmica, o que gera aquecimento”, explica DeWitt. “É isso o que chamamos de efeito estufa.”
Mesmo que seja temporária, a violação do limite de 1,5° C prevista pela Organização Meteorológica Mundial devido ao aumento das emissões e ao El Niño deste ano pode gerar amplo sofrimento humano em todo o mundo.
Um estudo recente da Universidade de Exeter, no Reino Unido, concluiu que a limitação por longo prazo do aquecimento global a 1,5° C poderá salvar bilhões de pessoas da exposição a níveis perigosos de calor (temperatura média de 29° C ou mais).
As políticas atuais foram projetadas para causar o aquecimento global de 2,7° C no final do século. Os autores do estudo advertem que este índice pode deixar dois bilhões de pessoas expostas a níveis perigosos de calor em todo o mundo.
A limitação também ajudaria a evitar a migração climática e consequências prejudiciais à saúde, incluindo perda de gravidez e prejuízos às funções cerebrais, segundo Tim Lenton, diretor do Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter e um dos autores do estudo.
Existem preocupações de que, se as emissões de carbono continuarem a aumentar, ocorrências futuras do El Niño podem elevar as temperaturas globais acima do limite de 1,5° C com frequência cada vez maior.
“Cada 0,1° C realmente importa”, afirma Lenton. “Cada 0,1° C de aquecimento que pudermos evitar, segundo nossos cálculos, evita que 140 milhões de pessoas sejam expostas a calor em níveis sem precedentes e aos danos que podem sobrevir.”
“Com isso, evitamos o perigo para centenas de milhões de pessoas e este deveria ser um imenso incentivo para trabalharmos mais intensamente para reduzir as emissões a zero”, conclui Lenton.
Fonte: bbc.com