O sociólogo francês Alain Touraine, um dos intelectuais mais respeitados da França e da Europa por seus trabalhos sobre a evolução social francesa na segunda metade do século 20, morreu nesta sexta-feira (9) em Paris, aos 97 anos. Ao longo da carreira, Touraine se interessou pela política e a sociedade brasileiras e foi figura influente junto a nomes como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem era amigo havia cinco décadas
O anúncio da morte foi feito pela filha do escritor, a ex-ministra socialista Marisol Touraine. Intelectual de esquerda, da qual era cada vez mais crítico, Touraine foi um meticuloso cronista das mudanças sociais na França a partir dos anos 1950 e também um estudioso da classe trabalhadora chilena. Ele era viúvo da pesquisadora chilena Adriana Arenas Pizarro, falecida em 1990.
Apaixonado por história e economia, o acadêmico tinha a preocupação de colocar as suas teorias em prática, inclusive envolvendo-se no campo político. O seu nome ficará ligado aos estudos dos “novos movimentos sociais” como os estudantis, feministas, ecologistas ou regionalistas, nascidos na década de 1970, e a um método de trabalho, o intervencionismo sociológico.
“Devemos sair da calma tranquilizadora das utopias e profecias, ainda que catastróficas, para descer ao movimento, desconcertante mas real, das relações sociais”, assegurava.
As transformações sociais no Brasil também atraíram a atenção do autor de obras como Igualdade e diversidade e Um novo paradigma para compreender o mundo de hoje. Em uma entrevista ao jornal O Globo em 2010, ele avaliava que “o perigo de retrocessos” existia no Brasil.
Em 2019, em uma das últimas viagens de FHC a Paris, o ex-presidente e Touraine, que se conheciam desde o início dos anos 1960, debateram em um colóquio promovido pela Maison de l’Amérique Latine, no qual refletiram sobre a situação da democracia no Brasil, em meio ao governo de Jair Bolsonaro.
Experiência sociológica em campo
Nascido em Hermanville-sur-Mer (noroeste) em 3 de agosto de 1925, o sociólogo vinha de família nobre, mas na juventude decidiu estudar História e se interessou pelo mundo dos trabalhadores. Ele chegou a trabalhar brevemente em uma mina – experiência que, mais tarde, o ajudou a escrever um de seus primeiros estudos, sobre mineiros no Chile.
O francês trabalhou como pesquisador no Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) entre 1950 e 1958. Em 1956 foi um dos idealizadores do Centro de Pesquisas em Sociologia do Trabalho da Universidade do Chile, onde conheceu sua esposa.
Em 1960, foi nomeado diretor de estudos da Escola Prática de Estudos Avançados em Ciências Sociais (EHESS). Doutor em Letras em 1965, lecionou de 1966 a 1969 na Universidade de Nanterre, perto de Paris.
Os protestos estudantis e operários de maio de 1968 na França o levaram a ampliar seu campo de estudos. Nesse mesmo ano, publicou O movimento de maio ou o comunismo utópico.
Interesse pelas minorias
No ano seguinte, como outros especialistas, previu a chegada da “sociedade pós-industrial” e se interessou pelo feminismo ou pelos movimentos regionalistas na França. Em 1973, após o golpe de Estado contra Salvador Allende, publicou “Vida e Morte do Chile Popular”. Teve grande contribuição na formação do pensamento social latino-americano e um de seus livros de referência sobre a região é A Palavra e o Sangue; política e sociedade na América Latina, de 1989.
Atento às reivindicações dos grupos minoritários, ele estudou tanto as greves francesas do final de 1995 quanto o zapatismo no México, defendeu o estabelecimento da paridade entre homens e mulheres na vida pública e até a semana de trabalho de quatro dias.
Apesar da idade avançada, manteve um olhar atento à sociedade contemporânea: sobre o movimento dos coletes amarelos, declarou que os manifestantes refletiam “as contradições da sociedade industrial”.
Fonte: www.rfi.fr/br