As mães brasileiras contratadas pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tinham direito à licença-maternidade de apenas 84 dias até 1988. A partir da data, o benefício foi estendido para 120 dias. Considerado um avanço na época, esse direito não atende mais às necessidades atuais – desde 2008, a Sociedade Brasileira de Pediatria faz campanha para que a licença-maternidade seja ampliada de 4 para 6 meses para todas as mães, pois neste período o bebê deve receber exclusivamente o leite materno em livre demanda.
“Os avanços da Constituição de 1988 foram muito inovadores para aquele momento histórico. Além de aumentar a licença-maternidade, foi incorporado o direito à creche da criança de 0 a 6 anos, além de benefícios sociais para mulheres rurais e trabalhadoras domésticas, benefícios esses fundamentais para o exercício da função do cuidado das crianças, que recai sobre as mulheres”, diz a socióloga Jacqueline Pitanguy, coordenadora executiva da organização Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA).
Na década de 1980, Pitanguy presidiu o Conselho Nacional dos Direitos da Mulheres (CNDM), onde coordenou a campanha nacional Mulher e Constituinte, criada pelo movimento feminista com a finalidade de debater os direitos relativos à condição feminina no Brasil que a nova Constituição deveria contemplar.
Graças à atuação de mulheres como Pitanguy, além do afastamento remunerado de 4 meses para as mães trabalhadoras, desde 1988 o código trabalhista concede estabilidade no emprego para gestantes desde o dia de confirmação da gravidez até cinco meses após o parto para impedir – ou pelo menos retardar – a demissão da mulher durante a licença-maternidade.
Desde 2008, o governo federal também concede benefícios fiscais a empresas privadas que adotam a licença maternidade de 180 dias – outra grande conquista. Por outro lado, o direito à estabilidade no emprego não foi estendido a essas trabalhadoras, permitindo que as mães que tiveram licença de 6 meses possam ser demitidas no último mês da licença-maternidade.
“Filho não é só da mãe”
Com o slogan “filho não é só da mãe”, a campanha nacional Mulher e Constituinte conseguiu incluir a licença-paternidade na legislação trabalhista, a fim de promover uma divisão mais justa do trabalho entre pais e mães. A licença destinada aos trabalhadores pais, contudo, é de apenas 5 dias.
“Se fossemos escrever uma nova constituição hoje, certamente a ampliação da licença-maternidade para 180 dias deveria ser um preceito constitucional, assim como a possibilidade de que esta licença fosse usufruída da forma mais conveniente pelo pai e mãe, como acontece em alguns países europeus”, afirma Pitanguy.
Em 2008, pais funcionários de empresas cadastradas no programa Empresa Cidadã passaram a ter direito a 20 dias de licença paternidade. Para a socióloga, contudo, o período é insuficiente.
“Uma divisão mais equitativa de funções entre pais e mães no cuidado das crianças também deve se refletir nas legislações trabalhistas e benefícios sociais para assegurar que os homens se responsabilizem por cuidados com os filhos, como a saúde e a educação das crianças”, aponta Pitanguy.
“Cuidado Materno Também é Trabalho”
Em 2021, a Argentina aprovou uma lei garantindo o direito à aposentadoria de mulheres com 60 anos de idade ou mais que não alcançaram o tempo necessário de atuação no mercado de trabalho por causa da maternidade. A lei argentina também determina que o tempo da licença-maternidade das mães trabalhadoras seja incorporado à contagem do tempo de serviço para a aposentadoria.
No Brasil, as chamadas mães “donas de casa”, ou seja, mulheres responsáveis pela função não remunerada de cuidar da casa e da família, não têm direito à aposentadoria se não contribuíram regularmente para o INSS, o Instituto Nacional de Serviço Social. Em resumo, para uma mulher se aposentar, independentemente de ser mãe ou não, ela precisa ter 62 anos de idade e 15 anos de contribuição ao INSS.
Em 2021, um projeto de lei intitulado Cuidado Materno Também é Trabalho (PL 2757/21, da deputada federal Talíria Petrone), propôs a aposentadoria em um salário-mínimo às mulheres com mais de 60 anos que não possuem os anos de contribuição necessários ao INSS, mas que exerceram os cuidados domésticos. O projeto está apensado ao PL 2647/21, da deputada Perpétua Almeida (PCdoB), que também dispõe sobre a contagem de tempo de serviço das tarefas de criação de filhos, biológicos ou adotados, prevendo, para fins de aposentadoria, que seja computado:
- 1 ano de tempo de serviço por cada filho nascido com vida;
- 2 anos de tempo de serviço por cada criança menor de idade adotada;
- 2 anos por filho biológico nascido com incapacidade permanente.
O PL 2647/21 está para na Câmara dos Deputados desde o final do ano passado, aguardando a designação de novo relator na Comissão de Saúde.
O relatório da Oxfam Tempo de Cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago, publicado em 2020, mostrou que o trabalho de cuidado não remunerado dentro dos lares e das famílias – como cuidar da casa, dos filhos e demais familiares – é exercido pelas mulheres em 85% dos casos. Além disso, em todo o mundo, mulheres e meninas dedicam 12,5 bilhões de horas diariamente ao trabalho doméstico e de cuidado não remunerado.
Apesar dos cuidados doméstico e familiar não serem considerados trabalho propriamente dito, o relatório da Oxfam calcula que, se esse trabalho majoritariamente feminino fosse remunerado, geraria uma contribuição de pelo menos 10,8 trilhões de dólares por ano à economia global, o equivalente a mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo.
“Já na época da constituinte de 1988, havia um movimento pelo direito à aposentadoria das ‘donas de casa’. Isso não se tornou um direito até hoje. Exercer a função de cuidado de filhos é sem dúvida uma forma de trabalho a ser considerada e deveria ser incluída na legislação brasileira para fins de aposentadoria”, diz Pitanguy.
Outros direitos urgentes a serem reconhecidos no âmbito da maternidade no Brasil, para Pitanguy, dizem respeito às vagas em creches.
“É preciso assegurar o efetivo cumprimento do direito das crianças à creche não só em espaços formais de trabalho, mas também para trabalhadores informais e mulheres desempregadas, pois, sem a creche pública e gratuita em horário integral, mães estão impossibilitadas de procurar trabalho”, afirma Pitanguy.
E as mães solo?
A paulistana Luiza é mãe solo de uma menina de 7 anos. Ela está desempregada há cinco anos, desde que o pai da sua filha saiu de casa.
“Nunca mais tive emprego formal desde que minha filha nasceu. Vivemos de ‘bico’ e Bolsa Família há cinco anos. Seria ótimo ter um auxílio do governo para mães solo, já que nem com uma pensão do pai da minha filha eu posso contar”, diz Luiza, que prefere não ser identificada.
As famílias monoparentais chefiadas pelas mães, como a de Luiza, representam 14,7% das famílias do país, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) publicada no segundo semestre de 2022.
Pensando nesses milhões de mães solo, em 2020 foi apresentado o projeto de lei 2099/2020, que propõe um auxílio permanente de R$ 1.200 mensais às mulheres provedoras de famílias monoparentais, ou seja, famílias chefiadas por mães solo. Para receber o benefício, segundo o PL, a mulher deve ter mais de 18 anos, não ter emprego formal ativo, não ser titular de benefício previdenciário ou assistencial, além de ter renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo ou renda familiar mensal total de até 3 salários-mínimos.
Luiza afirma que um auxílio mensal de R$1.200 seria “decisivo para o bem estar e a segurança alimentar para ela e sua filha”, diz. Apesar disso, o PL está parado desde janeiro na Comissão de Saúde, que aguarda designação de novo relator para retomar os trabalhos.
Em 2021, foi proposto outro projeto de lei referente às mães solo, o PL 3717/21, do senador Eduardo Braga (MDB). O projeto determina prioridade para o atendimento às mães solo com renda familiar per capita inferior a dois salários-mínimos e dependentes de até 18 anos em diversas políticas sociais, trabalhistas e econômicas, como:
- Garantir cotas em grandes empresas para trabalhadoras mães solo;
- Priorizar mães solo para vagas em creche;
- Priorizar famílias de mães solo nos programas habitacionais ou de regularização fundiária.
- Pagamento em dobro de benefícios sociais às mães solo
Conhecido como Lei dos Direitos da Mãe Solo, o PL 3717/21 já foi aprovado pelo Senado, mas está em tramitação na Câmara dos Deputados há mais de um ano, desde março de 2022.
“O conceito de família é plural. Por isso, é preciso assegurar constitucionalmente que a responsabilidade do Estado e da iniciativa privada no cuidado das crianças se estende a famílias monoparentais, homoafetivas e transexuais”, finaliza Pitanguy.
Fonte: dw.com