Investimento baixo dos EUA no Fundo Amazônia dificulta aproximação com Brasil, dizem analistas

Investimento baixo dos EUA no Fundo Amazônia dificulta aproximação com Brasil, dizem analistas
Compartilhar

Logo após o presidente Lula anunciar parcerias com a China em visita a Pequim e falar em “mudança de governança global”, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que pretende pedir ao Congresso americano a destinação de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia, um mecanismo de financiamento da proteção da floresta e do combate ao desmatamento.

Apesar de ser muito maior do que os US$ 50 milhões inicialmente anunciados, o valor — se aprovado pelo legislativo americano — será diluído ao longo de cinco anos e ainda é considerado um compromisso tímido dos EUA diante das expectativas do governo brasileiro, dizem analistas de política internacional.

O anúncio acontece logo após um esfriamento na relação entre os dois países, mas o compromisso de pedir esse valor ao Congresso não é suficiente para incentivar uma reaproximação do Brasil com Washington, afirmam.

A relação entre os dois países, que estava em crise durante os dois últimos anos do governo Bolsonaro, teve uma mudança de tom com a posse de Lula em janeiro.

A decisão de retomar o uso do fundo — que esteve congelado ao longo do governo Bolsonaro — foi elogiada por Washington. Mas, apesar da retórica positiva de Biden sobre a importância da democracia, a falta de compromissos mais concretos de parcerias acabou levando a um afastamento do governo Lula, afirma o cientista político Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e fundador da consultoria política Dharma.

O anúncio, em fevereiro, de um aporte de apenas U$ 50 milhões, foi considerado uma decepção pelo Planalto.

“Apesar da narrativa positiva dos EUA sobre a democracia e a preservação da Amazônia, na hora de assumir um compromisso financeiro, o valor foi muito baixo, o que gerou descontentamento no Planalto”, analisa Souza.

“Os EUA gostariam que o Brasil assumisse uma posição pró-americana em uma série de temas, mas o governo brasileiro precisa de sinais concretos de cooperação — sobretudo financeira — porque precisa da entrada massiva de recursos para poder tocar sua agenda em várias áreas”, afirma Souza, apontando que essa cooperação é central especialmente para a agenda ambiental.

O discurso de retomada da proteção ao ambiente, com combate ao desmatamento e olhar para as mudanças climáticas, foi um ponto importante na campanha eleitoral de Lula, que trabalhou para trazer Marina Silva e prometeu a criação de uma autoridade climática. No entanto, aponta Souza, esse tipo de política, como qualquer uma que precisa de fiscalização, demanda muito dinheiro.

“E a partir do momento em que fica claro que os EUA, apesar do discurso, não vão assumir compromissos mais concretos, o governo vai procurar em outro lugar — e o destino óbvio é a China”, afirma Souza. “Lula volta de Pequim com 15 acordos que somam US$ 50 bilhões. Não é um resultado ruim em um cenário econômico recessivo. O Brasil queria mais, mas conseguiu algo.”

Para Dawisson Belém-Lopes, professor de política internacional na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o governo Lula dá indícios de que vai voltar a ter uma política internacional “pendular” e pragmática, ou seja, se aproximar das potências que oferecem mais acordo e cooperação

“Apoio garantido”

O Brasil não tem tido um tratamento prioritário pelos Estados Unidos já há alguns anos, afirma Belém-Lopes, e uma explicação possível é a ideia de que o nosso apoio é, de certa forma, “garantido”.

“A ideia de que os EUA imaginam que o Brasil já pertence a uma esfera de influência e portanto não valeria a pena mobilizar recursos é algo que faz sentido quando se olha a relação dos EUA com diversos outros países, como por exemplo no norte da África”, diz o pesquisador.

Ele cita o Marrocos e o Egito como exemplos. Como o Marrocos tem um histórico de “alinhamento automático” com os EUA, o país é considerado como um apoio garantido.

“No Egito os EUA investem muito mais, botam mais recursos, tomam mais cuidado, o presidente vai ao Cairo, faz discurso”, diz Belém Lopes.

Para o Brasil, o “alinhamento automático” também não rendeu um tratamento cuidadoso e prioritário durante o governo Bolsonaro.

Nos primeiros dois anos do ex-presidente Jair Bolsonaro, quando Donald Trump estava à frente da presidência americana, o Brasil assumiu uma postura de alinhamento político com a potência sem exigir grandes contrapartidas, aponta Belém-Lopes.

Era uma postura muito menos voltada a uma estratégia de negociação internacional e mais focada em agradar a base ideológica de Bolsonaro, analisa o cientista político.

A relação mudou quando Joe Biden assumiu a Casa Branca em 2021, mas não de forma que rendesse alguma negociação positiva — a postura do governo Bolsonaro em relação ao ambiente e os ataques feito pelo presidente às urnas foram fortemente criticados por Washington.

Com a mudança para o governo Lula, aponta Creomar de Souza, o governo Biden pode ter feito a leitura de que bastava uma retórica de apoio à democracia, ao ambiente e de respeito ao resultado das eleições para conseguir posturas internacionais pró-EUA do Brasil.

“Mas Lula assume a presidência com um alto nível de ansiedade e tendo assumido muitos compromissos — toda a fala de reconstruir o país, por exemplo. Se o governo não entregar o que prometeu, especialmente na área econômica, vai enfrentar muitos problemas”, diz Souza. “É essa necessidade de apoio sobretudo financeiro que baliza a estratégia internacional.”

Belém-Lopes afirma que, embora o Brasil tenha historicamente uma duradoura relação de proximidade e confiança com os EUA, outros presidentes já flertaram com possibilidades de aproximação com outras potências para conseguir alavancar acordos e concessões em melhores termos com os americanos.

“Durante o governo de Juscelino Kubitschek, auge da Guerra Fria, uma corrente dentro do governo afirmava que o Brasil poderia ser ‘presa fácil’ para os soviéticos se não houvesse maior aporte de recursos pelos americanos. O saldo disso foi a criação do BID (Banco Interamericano do Desenvolvimento)”, diz o pesquisador.

Para Belém-Lopes, a falta de prioridade para o Brasil na agenda de Washington também pode ter uma explicação mais sistêmica.

“A agenda dos EUA para a América Latina é uma agenda negativa, não uma agenda programática, positiva”, afirma.

“O tema do meio ambiente, por exemplo, entra na chave do ‘é necessário impedir o desmatamento’, esse foi o tom de Biden na campanha contra o Trump. Mas além disso, a agenda do país para a América Latina é uma agenda voltada para discutir crimes — imigração ilegal, narcotráfico, fraude”, afirma o pesquisador.

“O Brasil acaba se inserindo no bojo dessa abordagem dos EUA para o hemisfério.”

Fonte:  bbc.com


Compartilhar
0 0
Happy
Happy
0 %
Sad
Sad
0 %
Excited
Excited
0 %
Sleepy
Sleepy
0 %
Angry
Angry
0 %
Surprise
Surprise
0 %