O Brasil pode sofisticar sua relação econômica com a China?

O Brasil pode sofisticar sua relação econômica com a China?
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Segundo analistas, país tem dificuldade para definir estratégia sustentável com o parceiro asiático. Exportações brasileiras poderiam focar nichos em que país ainda não atua e visar mais projetos conjuntos de tecnologia.

Brasil precisa ser pragmático e sofisticar a relação econômica com a China do ponto de vista comercial e de investimentos. Esta é a visão de especialistas que acompanham de perto a relação bilateral.

Em paralelo, precisará se equilibrar no balanço de oportunidades e riscos nos acordos com o parceiro asiático, que já compra 27% de tudo o que o Brasil exporta, respondeu por quase metade do superávit comercial de US$ 62,3 bilhões em 2022 e tem estoque de capital investido no país de US$ 70 bilhões (2007 a 2021), em variados setores.

O ex-secretário de Comércio Exterior do país, Welber Barral, sócio da BMJ Consultores, alinha três eixos de potencial interesse brasileiro. O primeiro é o aumento da renda nos países asiáticos, China inclusa, que impulsiona a demanda por commodities alimentares. A segunda, o surgimento de nichos de mercado em que o Brasil não atua e que podem ser atendidos por exportadores brasileiros, em razão da expansão da classe média chinesa. E, por fim, a área de investimentos.

“A grande verdade é que a China conseguiu ter um crescimento importante, por exemplo, em linhas de transmissão, mas tem muita coisa de infraestrutura onde o investimento chinês pode ser importante, desde o saneamento até energia no Brasil”, explica Barral.

Exportações brasileiras dependentes da China

No contraponto dos riscos, ele aponta a potencial dependência do mercado chinês para as exportações brasileiras e diz que o Brasil deveria diversificar suas exportações.

O patamar da concentração das exportações para a China supera a de todos os principais parceiros do Brasil, segundo estudo conjunto do CEBC, Ipea e Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). Esta concentração só fez crescer entre 2012 e 2021: os dez principais produtos respondem da ordem de 90% do que foi exportado para o país asiático no período.

Outro risco, prossegue Barral, é o embate ideológico entre China e os Estados Unidos e como o Brasil vai se posicionar.

“Nós vimos isso na questão do 5G, em que o Brasil conseguiu ficar em cima do muro. Provavelmente vamos ter outras situações de maior embate”, prevê o especialista.

O edital do 5G no país criou uma rede privada para o governo, da qual a empresa de tecnologia Huawei não vai poder participar. Outro ponto de atenção é o direcionamento do governo chinês sobre as empresas. “Quando a relação bilateral é boa, os investimentos crescem. Mas quando houve uma relação diplomática não tão boa, como no governo anterior, foi visível a redução de investimentos. Qualquer estremecimento na relação bilateral acaba dificultando a relação econômica“, acrescenta Barral – segundo ele, como ocorreu nos últimos anos.

O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marco Aurélio Mendonça avalia que investimento focado em infraestrutura é uma possibilidade para o Brasil – e provavelmente a China teria interesse. Mas indica que não deve haver preferência por investimento de um país específico. “O que interessa é o desenvolvimento, geração de emprego e dinamização da economia”, diz.

Sobre eventuais riscos na parceria, comenta: “O Brasil é tão distante da China, não faz muito sentido se preocupar com ataque cibernético chinês ou algo do tipo. Mas é claro que em termos de relações internacionais uns países espionam aos outros.”

Dificuldade de definir estratégia para a China

Enquanto a China tem a tradição de trabalhar com planos quinquenais para desenvolvimento econômico e social a médio prazo, o Brasil tem dificuldade de definir estratégia clara e perene para o relacionamento com o parceiro asiático, indicam especialistas.

“É também uma oportunidade de colocar na pauta a possibilidade de termos uma relação econômica mais sofisticada com a China, com maior atração de investimentos para o Brasil, diversificação das nossas exportações e mais projetos conjuntos na área de tecnologia”, diz o diretor de Conteúdo e Pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Tulio Cariello. Ele avalia que há expectativas de acordos e novos projetos nos setores de energia, mineração e do agronegócio, além da área da sustentabilidade, ponto central do desenvolvimento da China.

Os números chineses são superlativos. O Produto Interno Bruto (PIB) soma US$ 18 trilhões e cresceu 6,4% ano passado, mais do que o dobro da expansão brasileira (2,9%). O PIB brasileiro é praticamente um décimo do chinês, equivalente a US$ 1,9 trilhão. Enquanto a taxa de investimento brasileira como proporção do PIB variou de 16,4% a 18,2% trimestralmente entre 2020 e 2022, o mesmo indicador chinês gira na casa dos 40%, mais precisamente 42% em 2022. A taxa de investimento determina a capacidade suportar crescimentos mais sustentáveis.

Vital para a economia brasileira

Mas o que explica a influência e protagonismo econômico da China hoje no Brasil? O estoque de capital investido e seu peso nas exportações são parte do motivo para essa importância. “Do ponto de vista comercial, a China é vital para a economia brasileira”, afirma o diretor do CEBC. Ele explica que o parceiro asiático é principal destino de metade dos dez produtos mais exportados pelo Brasil, como soja, minério de ferro, carnes e petróleo. Em 2022, a China absorveu metade das exportações do agronegócio brasileiro.

“Persiste um desequilíbrio nas relações comerciais, já que nossas exportações para lá têm uma concentração de 74% em extrativismo e agricultura, enquanto os produtos comprados da China são quase que exclusivamente da indústria da transformação”, informa Cariello.

Do ponto de vista dos investimentos diretos chineses no Brasil, eles foram principalmente em energia elétrica e petróleo, mas também em projetos como indústria manufatureira, tecnologia da informação, agricultura, infraestrutura e setor financeiro.

Direitos humanos fora do debate?

Nesse cenário, a geopolítica entra cena como pano de fundo da relação bilateral. O pesquisador associado ao Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG, questiona até que ponto a reaproximação entre os dois países levará a um rearranjo geopolítico. “Tenho alguma preocupação de um movimento pendular, ir para outro lado e a percepção de alinhamento excessivo com o bloco China-Rússia, em contraposição ao bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos. É um receio, mas não considero cenário central”, pondera, ressaltando que a postura brasileira reforça a neutralidade geopolítica.

Outro tema, sensível à China, na perspectiva internacional, é a questão social, embora aparentemente fora do foco. “O tema de direitos humanos me parece absolutamente fora do debate. A gestão anterior tinha postura anti-China, que parecia excessivamente alinhado à administração Donald Trump. O grande mérito nessa viagem é botar o Brasil de volta no jogo. E esse jogo, dada a importância chinesa como recebedora de nossos produtos e potencial investidor no Brasil, passa necessariamente pela pauta econômica”, analisa o pesquisador.

Em outubro passado, a China ganhou votação na Organização das Nações Unidas (ONU) que impediu debate sobre suposta violação dos direitos humanos no país asiático. Dezessete países votaram contra a China, vitoriosa com 19 votos. O Brasil se absteve de votar, junto a outros dez países, dentre eles os latino-americanos Argentina e México. O Paraguai votou a favor do agendamento do debate. Bolívia, Cuba e Venezuela decidiram favoravelmente à posição chinesa.

Como a China ganhou protagonismo no Brasil?

O avanço do protagonismo econômico chinês no Brasil vem, em especial, desde 2000, quando o país ingressa na Organização Mundial do Comércio (OMC) e passa a grande parceiro comercial no mundo. Em 2008, conquistou mais espaço global com a crise do mercado imobiliário americano.

No Brasil, torna-se principal destino das exportações em 2009, desbancando os Estados Unidos, para ultrapassar também a União Europeia em 2013. Em meados da década de 2000, o forte aumento dos investimentos chineses no exterior encontrou “solo fértil” no Brasil, resume o diretor do CEBC.

“Lidar com a China envolve dinâmicas de cooperação e competição, com complementaridades e assimetrias que remetem o Brasil à necessidade de repensar seu próprio caminho de desenvolvimento. A China desponta cada vez menos como competidora e ameaça e cada vez mais como referência e oportunidade, inclusive de como a ação governamental concertada pode estimular a transformação estrutural e a diversificação econômica”, registra o estudo Bases para uma Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China, elaborado pela diplomata Tatiana Rosito.

O documento, feito há dois anos, reflete os desafios atuais. “Por suas particularidades, relacionar-se com a China demanda dedicação, paciência e esforços que requerem estratégia de longo prazo. O Brasil também tem muito a oferecer à China e isso é parte importante de uma estratégia”, complementa a diplomata em seu estudo.

“A agenda brasileira é grande e complexa. Mas do ponto de vista de grandes projetos com grande impacto, o que vai surgir? Não sabemos ainda”, diz o coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio, Evandro Carvalho, professor em Direito Internacional na instituição.

Fonte: dw.com


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