O conflito entre Rússia e Ucrânia escalou de forma significativa nos últimos meses. A tensão é ainda maior do que no último pico do atrito em 2014, quando a Rússia invadiu a Crimeia e anexou o território, uma península autônoma no sul da Ucrânia.
Na época, o Brasil manteve-se distante da crise, defendendo a resolução de forma pacífica, mas sem escolher um lado. De acordo com os especialistas em relações internacionais entrevistados pela BBC News Brasil, neste novo capítulo do conflito, o país deve seguir a mesma linha, e a visita de Jair Bolsonaro ao líder russo Vladimir Putin, prevista para fevereiro, não deve fazer com que o governo brasileiro seja necessariamente visto como aliado da Rússia.
Atualmente, a razão principal do atrito é a possível entrada da Ucrânia na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), hipótese não aceita pelo governo russo. Criada durante o contexto da Guerra Fria, a Otan é uma aliança militar que representava um tratado de defesa mútua entre os seus países-membros e tinha como objetivo barrar o avanço do bloco socialista.
Atualmente, as tropas de Putin estão posicionadas em lugares estratégicos que possibilitam um ataque. O governo russo nega a intenção de invadir o território ucraniano e afirma que as tropas que se movimentam dentro do seu país não deveriam causar alarme.
“A situação atual é de prudência. É um jogo de xadrez no qual Putin, um leitor de geopolítica bastante hábil, passa o ônus para a Otan. Ele sabe o que ele quer – manter a Rússia relativamente longe da Otan – e projeta claramente o seu poder”, avalia José Alexandre Altahyde Hage, professor de Relações Internacionais na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)
As razões que fazem a Rússia não aceitar a participação da Ucrânia na Otan têm um pano de fundo histórico.
“O país é territorialista, expansionista e continentalista (se apoia em estratégias). O governo russo tem seu equilíbrio ideológico quando se mantém longe das influências de outras nações também expansionistas, como foi com o Império Britânico, o Terceiro Reich alemão, e agora, os Estados Unidos usando a Otan como ferramenta”, explica o professor da Unifesp.
Para a Rússia, aponta o professor, ter os EUA, maior potência global atual, com a possibilidade de instalar mísseis e ter materiais bélicos nas suas proximidades, dentro do território ucraniano, é ameaçador.
Qual deve ser a posição do Brasil durante um possível conflito?
Tradicionalmente, a posição diplomática do Brasil é manter-se mais afastado, como ocorreu em 2014, durante o governo de Dilma Rousseff (PT).
“Era véspera de Copa do Mundo, ou seja, havia uma necessidade de política de boa vizinhança. Naquele momento, o Brasil se omitiu totalmente do conflito, o que até foi visto com maus olhos por quem luta pelos direitos humanos”, lembra Guilherme Casarões, professor do curso de Relações Internacionais da FGV (Faculdade Getulio Vargas), em São Paulo.
O mais provável, de acordo com o analista, é que o Brasil se posicione novamente de maneira neutra.
“Se o conflito armado realmente acontecer, deve haver uma nota mais generalista do Brasil, dizendo que o país é a favor da cooperação multilateral, repudia o uso da força, e é favorável à resolução pacifica. Mas apontar o dedo e dizer diretamente que a Rússia está errada é algo muito difícil de acontecer.”
Até porque, explica Altahyde Hage, uma posição mais assertiva não seria inteligente para os interesses brasileiros.
“A Rússia é um dos maiores consumidores dos produtos do agronegócio brasileiro. Por outro lado, importamos muitos fertilizantes de lá. Virar as costas para eles por questões morais, de princípios, é bom para quem já tem acúmulo de poder. Para o Brasil, é mais importante avaliar o custo-benefício.”
A análise do professor é que o Brasil não seria diretamente afetado por questões econômicas se um conflito armado ocorresse, mas que deve, de qualquer forma, manter relações pragmáticas, principalmente relacionadas a comércio, com ambos os países
“Com a Ucrânia, embora as trocas sejam muito específicas, temos interesse na tecnologia aeroespecial. As peças precisam ser movidas com muito cuidados, por isso os diplomatas precisam ser hábeis, não podem agir como partido político em busca de voto.”
Viagem de Bolsonaro pode ser lida como apoio à Rússia?
Mesmo em meio à possibilidade de um conflito, Bolsonaro não alterou a data prevista de visita a Putin, que deve acontecer em fevereiro.
“Por um lado, como o governo Bolsonaro está completamente isolado do ponto de vista diplomático, por questões ambientais, sanitárias e outros problemas da gestão, é do interesse o Brasil se aproximar da Rússia. Também é uma chance de avançar uma agenda conservadora que perdeu força depois que Trump deixou a presidência dos EUA”, avalia Guilherme Casarões.
No entanto, antagonizar os EUA e a Otan seria um passo bastante delicado. “O Brasil é um Aliado extra-Otan (condição que não confere pacto de defesa, mas garante vantagens militares e financeiras) e colocar isso em risco não seria prudente”, aponta o professor da FGV.
Na opinião de Altahyde Hage, ainda assim, a viagem não deve ser vista como apoio. “Faz parte de um relacionamento consular, para tratar de comércio, turismo, e outros assuntos que beneficiam ambos. Diplomaticamente, não tem por que entrar no mérito do conflito. Putin não viria em Brasília opinar sobre uma relação do Brasil com a Argentina.”
Qual é a história do conflito?
As tensões entre os antigos Estados soviéticos ganharam força em 2013 após Viktor Yanukovych, presidente ucraniano, suspender os diálogos de um acordo com a União Europeia – supostamente sob a pressão de Moscou – o que levou a protestos violentos em Kiev, capital da Ucrânia.
Então, em março de 2014, a Rússia anexou a Crimeia, com o pretexto de que estaria defendendo os interesses locais e dos cidadãos de herança russa.
Na sequência, separatistas pró-Rússia declararam sua independência de Kiev nas regiões ucranianas de Donetsk e Luhansk.
Embora Kiev e Moscou tenham feito um acordo de paz em 2015, com a intermediação de Alemanha e França, as nações violaram o cessar-fogo várias vezes. A ONU estima que mais de 3 mil civis perderam a vida por causas relacionadas ao conflito desde março de 2014.
Os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções econômicas à Rússia, mas as medidas não foram suficientes para impedir que o conflito continuasse.
Fonte: bbc.com