JUACY DA SILVA
“Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra quanto o clamor dos pobres” Papa Francisco, Laudato Si, 49
Ao ser escolhido Papa, em 13 de Março de 2013, o então Cardeal Jorge Mário Bergóglio, representou uma surpresa para o mundo, pois era o primeiro pontífice não europeu em treze séculos da história da Igreja Católica Romana, por isso foi denominado “o Papa do fim do mundo”, por sua origem Argentina e Latino-americana.
Ao adotar o nome de Papa Francisco, uma homenagem a São Francisco de Assis, considerado o patrono ou padroeiro da Ecologia, principalmente pela sua dedicação aos animais e demais obras da criação, Bergóglio já estava apontando para as grandes linhas de ação de seu pontificado.
A opção preferencial pelos pobres, a sinodalidade, a exortação quanto `a necessidade de uma igreja também pobre, enculturada, samaritana, libertadora e o que seria demonstrando em suas Encíclicas, “Lumen Fidei – sobre a Fé” (2013), a “Laudato Si” (2015), Fratelli Tutti (2020), em sua Exortação Apostólica “Querida Amazônia” , após o Sínodo dos Bispos para a Pan Amazônia (2020), e também através de seus pronunciamentos em diversas viagens apostólicas, a ênfase nos três “Ts”:Terra, teor e trabalho, bem como suas propostas como a Economia de Francisco e Clara e o Pacto Educativo Global, o Sumo Pontífice tem demonstrando a preocupação com os caminhos da Igreja tanto na dimensão da espiritualidade quanto da temporalidade.
Neste sentido, tem voltado sua atenção e magistério para uma abertura ecumênica mais efetiva, incentivando o diálogo Inter religioso e também a necessidade de reformas mais profundas na Cúria Romana, além de suas preocupações com os desafios temporais como a crise climática e a degradação ambiental; as guerras, os refugiados, as condições de vida dos povos indígenas e tradicionais; a situação e as perspectivas dos trabalhadores, das pessoas com deficiência, dos idosos, da juventude, com os preconceitos, racismo e violência em todas as suas formas e manifestações.
Em decorrência dessas suas posturas e formas de exercer seu pontificado, tem-se colocando como adepto das transformações tanto na e da Igreja quanto nas sociedades, “revisitando” as conclusões do Concílio Vaticano II, razões pelas quais tem despertado a sanha de alguns setores dentro e for a da Igreja, enfrentado uma grande oposição dos setores conservadores da Igreja Católica Romana que, as vezes, chegam até a contestar sua autoridade, quanto de outras Igrejas Cristãs (evangélicas, principalmente) que também estão situadas no espectro conservador.
Independente do que pensam os conservadores, católicos ou não católicos, Francisco é o Papa e enquanto tal exerce o seu pontificado e seu ministério e magistério na plenitude de suas atribuições de líder espiritual e temporal da Igreja Católica Apostólica Romana. É neste contexto que devemos entender suas propostas, principalmente as contidas na Encíclica Laudato Si, na Fratelli Tutti, na Exortação Querida Amazônia e na Economia de Francisco e Clara, objeto desta minha reflexão,
No encontro de Assis, Itália, inicialmente previsto para ser realizado entre 26 a 28 de março de 2020 presencialmente, mas devido `a pandemia da COVID-19 foi realizado através de Plataforma virtual em novembro do mesmo ano, nos deparamos com o pedido do Papa Francisco para que os jovens, os empresários, os cientistas, pesquisadores, os governantes, os trabalhadores, enfim, para que os cristãos e não cristãos, enfim, todas as pessoas, para praticarem uma economia diferente, humana, solidaria e, realmente, sustentável.
Nas palavras do Sumo Pontífice, precisamos, com urgência repensar, reinventar, realmar e criar uma nova forma de economia, em suas palavras, “que parta das necessidades dos pobres”, “Aquela que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da Criação e não a depreda.” Quanto `a reunião suas expectativas eram para “um evento que nos ajuda a permanecer juntos e a nos conhecer, e nos leve a fazer um ‘pacto’ para mudar a economia atual e dar uma alma à economia do amanhã.”
No mesmo encontro, o Papa Francisco também disse com clareza e objetividade sobre a nova economia que propõe, como um antídoto para os males gerados pelos atuais modelos, (capitalista, liberal, neo liberal ou socialista/comunista, estatizante) desta maneira, dirigindo-se diretamente aos jovens, já que a juventude e as próximas gerações no futuro viverão em um mundo, conforme todos os estudiosos e cientistas indicam que, se não for radicalmente alterado, transformado profundamente, deixará uma herança terrível, de destruição e morte da biodiversidade, de esgotamento dos recursos naturais, do solo, das águas, aquecimento global, crise climática, desertificação, desmatamento, poluição de todas as formas, sem florestas, de fome, miséria, desigualdades mais profundas do que as atuais, de grandes massas humanas empobrecidas, com imensas correntes migratórias internacionais e um passivo ambiental IMPAGÁVEL
Vejamos um dos destaques da fala de Francisco, quando disse: “A chave para o futuro está nos sonhos e nas ações dos jovens, no seu olhar sem rodeios e preconceitos para um amanhã que seja de esperança verdadeira, de solidariedade e respeito `a natureza e não apenas de cálculos matemáticos, interesses ou especulações” e uma imensa parafernália eletrônica e tecnológica,
Sobre o mesmo Encontro, o Vaticannews, site oficial da Igreja Católica, em Roma, em 21 de novembro de 2020 assim destacava: “Foi com o entusiasmo, a imaginação e a criatividade deles (participantes) que o Papa Francisco procurou, na esteira da Laudato Si que deu ao mundo “o grito da terra e dos pobres”, relançar um grande e exigente desafio: “restituir uma alma à economia”.
A ECONOMIA DE FRANCISCO E CLARA, representa um novo modelo de economia, proposto e estimulado pelo Papa Francisco, com uma JUSTA DISTRIBUIÇÃO dos frutos do crescimento econômico e do desenvolvimento sustentável, de uma ECONOMIA VERDE e circular, que esteja baseada na solidariedade, na ECOLOGIA INTEGRAL, na conversão ecológica, na espiritualidade ecológica, na cidadania ecológica, na JUSTIÇA SÓCIOAMBIENTAL, na força do povo organizado, disposto a lutar por ações sociotransformadoras e no direito das futuras gerações a um planeta saudável, enfim, nos cuidados da CASA COMUM.
Os modelos econômicos, sociais e políticos atuais no mundo todo, tem levado `a degradação ambiental, a destruição da biodiversidade, ao aquecimento do planeta, a emergência climática, `as crises hídricas, `a desertificação, além de uma injusta concentração de renda, riqueza e propriedade nas mãos dos poderosos, das elites politicas e econômicas dominantes, do aumento da pobreza, da miséria, dos conflitos, da exclusão socioeconômica, política, enfim, a morte!
Precisamos repensar, com urgência, nossas relações sociais, econômicas e politicas e também, nossas relações com a natureza, pois, o destino do planeta e da humanidade está em nossas mãos, nossas atitudes , nossas ações, nossas omissões e nosso estilo de vida atual, extremamente materialista, predatório e desumano.
Neste contexto, é imperiosa a substituição da matriz energética mundial, baseada em combustíveis fósseis que poluem, degradam o meio ambiente e matam, por fontes alternativas, limpas e renováveis, como por exemplo, a ENERGIA SOLAR, EOLICA e outras fontes renováveis.
Precisamos substituir a agricultura que polui, degrada os solos, as águas e o ar; baseada no uso excessivo e abusivo de agrotóxicos que envenenam os alimentos e matam os consumidores, por uma agricultura inteligente, que respeite o meio ambiente, que é a AGROECOLOGIA e a agrossilvicultura.
Precisamos substituir o apego exagerado com os bens materiais, com uma competição desenfreada, e a busca por lucros fáceis, com o desperdício, com a economia do descarte, do supérfluo, por uma ECONOMIA SOLIDÁRIA, mais justa, duradoura, que VALORIZA e respeita o ser humano, os trabalhadores, os consumidores e também a natureza.
Precisamos impedir que nossas florestas sejam derrubadas, desmatadas e queimadas, pois este é um processo irracional que alimenta as queimadas, a degradação dos solos, a contaminação das águas, a poluição do ar e aumenta as doenças, as epidemias, as pandemias, enfim, provoca mais sofrimento e a morte.
Precisamos substituir o atual sistema logístico, baseado em veículos movidos com energia oriunda de combustíveis fósseis, altamente poluidores, que tornam nossas cidades um verdadeiro caos e com ar irrespirável, por um sistema de transporte público urbano mais eficiente, mais humano, com mais dignidade para os usuários e os moradores das cidades, baseado em fontes limpas e renováveis de energia.
Precisamos substituir o Sistema de transporte rodoviário de cargas e passageiros, também de custos elevados e baseado no uso de combustíveis fósseis, por um Sistema ferroviário moderno, eficiente, rápido, de menor custo e alimentado com energia renovável e limpa.
Precisamos garantir a posse e o uso da terra e os bens da natureza, inclusive as matas, a biodiversidade, os rios e demais fontes de água e vida, para agricultores familiares, para quilombolas, povos indígenas, os verdadeiros guardiões das florestas e do meio ambiente.
Precisamos garantir o direito `a moradia digna para a população de baixa renda e excluída, aos moradores em habitações sub-humanas, que colocam em risco, todos os anos a vida de milhões de pessoas no Brasil e ao redor do mundo, por habitações dignas onde esgoto a céu aberto, acúmulo de lixo, ruas sem pavimentação e sem arborização sejam substituídas por condições dignas, áreas realmente urbanizadas, para que tenhamos, de fato CIDADES SUSTENTÁVEIS, CIDADES VERDES, cidades inteligentes, com arborização urbana, como forma de amenizar o clima urbano e outras condições compatíveis com as exigências de todas as camadas da população e não verdadeiros “guetos fechados, onde vivem as camadas privilegiadas”, enquanto as massas populares vivem em favelas, palafitas, cortiços e outras formas indignas para um ser humano.
Enfim, também a ECONOMIA DE FRANCISCO E CLARA representa um modelo em que o trabalho humano não seja colocado na condição de trabalho escravo e semi escravo, com altos índices de desemprego, subemprego e trabalho informal, sem garantia de direitos e perspectivas de mobilidade social.
O trabalhador merece uma justa remuneração pelo seu trabalho, pela sua contribuição para o processo produtivo, jamais um salário mínimo que é um salário injusto, um salário de fome, que não garante sequer o atendimento das necessidades básicas do trabalhador e sua família, que gera mais pobreza, miséria, fome e exclusão , além de uma grande manipulação politica eleitoral por parte dos “donos do poder e da economia”.
Na Economia de Francisco e Clara não existe lugar para a exploração do trabalhador, para o desemprego aberto e o subemprego (que são reservas de mão de obra barata para que a exploração do trabalhador continue alimentando a cultura da pobreza e da exclusão social).
Cabe lembrar aqui também o princípio da Doutrina Social da Igreja quando estabelece que “sobre toda a propriedades privada recai ou pesa uma hipoteca social”, princípio coerente com o que estabelece o Concílio Vaticano II quando afirma que “Deus destinou a terra, com tudo que ela contém, para o uso de todos os homens e de todos os povos, de tal modo que os bens criados devem bastar a todos, com equidade, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade” (Gaudium et Spes, n.69).
E por isso que o Papa Francisco tanto tem enfatizado em seu magistério, em suas Encíclicas, em suas Exortações apostólicas e em seus pronunciamentos a imperiosa OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES, para as ações de uma Igreja missionária, em saída, samaritana, misericordiosa e, também, PROFÉTICA, a única forma de construirmos um mundo novo, uma nova economia, uma nova sociedade, baseada em princípios éticos e morais, em que todas as pessoas, independente de classe social, “status” socioeconômico, raça/etnia, cor da pele, outras características ou preferências, sejam tratadas como irmãos e irmãs, que vivem na mesma Casa Comum, com fraternidade, com amor e solidariedade e a NATUREZA como parte da criação divina.
Neste contexto é que surgem os conceitos de pecado social, pecado ecológico e CONVERSÃO ECOLÓGICA, como mecanismos de defesa da ECOLOGIA INTEGRAL, da vida em todas as suas formas e dos CUIDADOS COM A CASA COMUM, pois “tudo esta interligado, como se fôssemos um”.
TERRA, TETO E TRABALHO, dignidade humana, justiça socioambiental para todos, são fundamentais para a Economia de Francisco e Clara, por isso precisamos dizer alto e bom som: Viva a Laudato Si, Viva a Economia de Francisco e Clara! Viva a Pastoral da Ecologia Integral.
Só assim, as ações pastorais da Igreja podem impulsionar essas transformações nas sociedades, nos países, em nossas cidades e comunidades!
Finalizando, devemos refletir sobre as palavras do Papa Francisco no Encontro de Assis: “Queridos jovens, sei que vocês são capazes de ouvir com o coração os gritos cada vez mais angustiantes da terra e dos seus pobres em busca de ajuda e de responsabilidade, ou seja, de alguém que ‘responda’ e não se vire para o outro lado. Se vocês ouvirem o seu coração, vão se sentir portadores de uma cultura corajosa e não terão medo de arriscar e de se comprometer a construir uma nova sociedade.”, com certeza esta exortação do Sumo Pontífice também é endereçada a todos quanto sonham com um mundo melhor e uma sociedade econômica e socialmente justas, ambientalmente sustentável e politicamente democráticas e participativa.
Esses são os fundamentos da Economia de Francisco e Clara, no contexto dos fundamentos bíblicos e evangélicos, da Doutrina social da Igreja, do Magistério de papas que antecederam ao Papa Francisco e alguns que se tornaram Santos.
Vale a pena refletir, conhecer e lutar por esta nova economia e sonhar com um novo mundo, melhor e, realmente, humano! Isto é o que nos propõe a Laudato Si e a Pastoral da Ecologia Integral.
Precisamos substituir, com urgência, os velhos paradigmas que sustentam os velhos modelos econômicos que geram desigualdades, exclusão, violência, fome, miséria, sofrimento e morte, por outros paradigmas que promovam inclusão, solidariedade, sustentabilidade, justiça social, justiça ambiental e justiça Inter geracional.
Este é o único caminho para a reconciliação da humanidade consigo mesma e com a natureza, esta é a única forma de salvarmos o Planeta Terra e garantir todas as formas de vida, inclusive a vida humana em toda a sua plenitude!
Juacy da Silva, 80 anos, professor universitário, fundador, titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, Ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral no Centro Oeste. Email profjuacy@yahoo.com.br Twitter@profjuacy Instagram @profJuacy Whats app 65 9 9272 0052