JUACY DA SILVA
Quando de sua primeira mensagem ao criar o Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco destaca que “Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida”. (Mensagem do Sumo Pontífice, 13 de Junho de 2017).
No mesmo diapasão de uma reflexão crítica quanto `as reais dimensões da pobreza e o que deve ser feito para superá-la, o Papa Francisco destaca também que, “Infelizmente, nos nossos dias, enquanto sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes setores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da sociedade”.
É neste contexto e espírito cristão verdadeiro que neste domingo, 13 de Novembro de 2022, a Igreja Católica e também diversas outras organizações estarão promovendo (para não dizer comemorando, pois pobreza, a fome, a miséria e a exclusão jamais devem ser comemoradas) reflexões e ações voltadas para uma das ou talvez a maior chaga social, uma vergonha mundial e ainda presente em praticamente em todos países, em diferentes graus de incidência, que é a pobreza, a miséria, a fome e tantos aspectos que marcam a vida, o sofrimento e a morte de milhões de pessoas.
Em 2022 estará sendo celebrado o Sexto Dia Mundial dos Pobres ou como acontece em alguns países, como no Brasil, que por iniciativa da CNBB é a Jornada Mundial dos Pobres. O surgimento deste evento foi uma iniciativa do Papa Francisco, em 2016, ao final do Ano da Misericórdia, foi estabelecido o DIA MUNDIAL DOS POBRES a ser celebrado no 33.º domingo do Tempo Comum desde 2017.
Ao longo desses seis anos diversos temas serviram de base para nortear as celebrações litúrgicas e, ao mesmo tempo, estimular os fieis e a população em geral para uma reflexão mais profunda em torno não dos pobres em si, mas das causas conjunturais e também estruturais que produzem a pobreza, já que esta não é um desígnio divino; mas sim, consequências das formas injustas, gananciosas e violentas que permeiam as relações econômicas, sociais, culturais e politicas em todas as sociedades e Nações.
As reflexões relativas ao Dia Mundial dos pobres foram em torno das seguintes exortações do Papa Francisco: 2017 – “Vamos amar os pobres não apenas com palavras, mas sim, com ações concretas”; 2018 – “Este pobre clama e o Senhor o escuta”; 2019 – “A esperança dos pobres jamais se frustrará”; 2020 – “Estende tua mão aos pobres”; 2021 – “Sempre tereis pobres entre vós” e, finalmente, neste ano de 2022 “ Jesus Cristo se fez pobre por vós”.
No Brasil as celebrações do Dia Mundial dos Pobres é coordenado pela CNBB que, através da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora , com as Pastorais Sociais e Organismos disponibiliza material informativo e formativo, para favorecer a preparação em forma de jornada para a vivência, convivência, reflexão e ação neste VI Dia Mundial dos Pobres e terá como tema o mesmo que servirá para nortear a Campanha da Fraternidade em 2023 “Fraternidade e Fome”, com o Lema “ Dai-lhes vós mesmo de comer”.
As questões da pobreza e de suas causas, consequência e nuances estão presentes ao longo da história humana. Todavia, desde tempos quase que imemoriais, como podemos perceber nos livros dos Profetas, no Velho Testamento da Bíblia Sagrada, essas realidades sempre tem sido denunciadas como fruto da injustiça, da ganância, da pilhagem, do egoismo e da falta de misericórdia, de fraternidade e de solidariedade entre as pessoas, grupos sociais , econômicos e políticos.
Vejamos o que dizia o Profeta Amós (cap 2,7) “Vendem por prata o justo, e por um par de sandália o pobre. Pisam a cabeça dos necessitados como pisam o pó da terra e negam justiça ao oprimido”. Esta era a realidade daquela época, oito séculos antes de Cristo, ou seja, há quase três mil anos e ainda bem presente na atualidade mundial e brasileira.
Todavia, com o surgimento da ONU, logo após o término da II Guerra Mundial e suas agências especializadas como FAO, OMS, UNICEF, UNESCO, UNEP instituições financeiras Internacionais, como Banco Mundial e outras mais como universidades e centros de pesquisas em diversos países, o tema da pobreza ganhou um grande destaque que podemos dizer permanente e sempre atual.
Um dos desafios tem sido a questão da definição e o estabelecimento de um limite, por exemplo, renda individual ou familiar, abaixo do qual estariam os pobres. Este limite em termos de renda precisa ser corrigido para ser comparável entre os países.
O parâmetro utilizado e definido pela ONU e o PPP, ou seja, poder paritário de compra; isto significa que monetariamente o valor de um dólar americano pode comprar mais ou menos bens e serviços, dependendo da realidade de cada país, daí a importância em se definir um parâmetro praticamente universal.
Mas além da renda, a pobreza é definida fundamentalmente pelo nível ou padrão de vida das pessoas e famílias e, assim, outros aspectos também devem ser considerados como acesso aos serviços de saúde, emprego, educação, segurança alimentar, condições da habitação, índices de mortalidade, principalmente mortalidade infantil, expectativa de vida, saneamento básico, acesso a bens e serviços culturais, creditícios e níveis salariais.
Tendo em vista tais parâmetros, por pior e mais triste que seja a realidade em que vivem os pobres no mundo atualmente, mesmo que a situação ainda seja gravíssima em alguns países, como na África e em diversos países da Ásia e América Latina ou mesmo em enormes “bolsões” de pobreza ainda existentes em países de alta renda como nos EUA, Europa ou alguns países asiáticos como Japão e Coréia do Sul; o fato concreto é que tanto o número de pobres , inclusive vivendo em pobreza exrrema, tem caido muito nos últimos 50 ou 100 anos.
Noinicio do seculo passado praticamente mais de 50% da população mundial vivia em situação de extrema pobreza, enquanto nesses útlimos anos atinge “apenas” 8,6% ou segundo outros estudos em torno de 11% da população mundial.
No entanto, apesar desta redução acentuada do percentual da população vivendo em extrema pobreza, por exemplo, em 2022 nada menos do que 880 milhões de pessoas passam fome no mundo, apesar de que o volume da produção de alimentos haver aumentado quase o dobro dos índices de crescimento populacional e do fato de que aproximadamente um terço de todo o alimento produzido no mundo ao invés de ir para a mesa dos pobres e famintos, acaba indo parar no lixo, aumentando a degradação ambiental e malbaratando recursos e insumos que foram utilizados para produzi-los.
Portanto, o problema da pobreza, da fome e da miséria não é uma questão da falta de alimentos; mas sim pela falta de renda, que ainda permanece extremamente concentrada em “poucas mãos”; mais da metade de toda a renda, riqueza e patrimônio mundial está concentrada na parcela de 5% ou 1% da população mundial, enquanto 50% da população mundial, aproximadamente quatro (4) bilhões de pessoas vivem na pobreza, tomando-se, não apenas a renda, mas os demais parâmetros já mencionados.
A ONU no inicio deste seculo, em 2000 estabeleceu os Objetivos do Milênio, para nortear os países a buscarem um desenvolvimento mais harmônico e justo. Aqueles oito (8) objetivos deveriam servir de bússola para que os países definissem suas politicas públicas nacionais.
Vejamos a relação desses objetivos: 1) Erradicar a pobreza extrema e a fome; 2) alcançar o Ensino fundamental universal; 3) Promover a igualdade de gênero e empoderar as mulheres; 4) Reduzir a mortalidade infantil; 5) Melhorar a saúde materna; 6) Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7) Garantir a sustentabilidade ambiental; e, 8) Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento.
Como vemos todos, direta ou indiretamente estavam voltados para algumas dimensões da pobreza e que se tivessem sido alcançados até o ano de 2015; com certeza a pobreza no mundo poderia ter sido reduzida muito mais do que a realidade nos demonstra.
Em 2015, novamente a ONU, articulou e com o apoio de todos os países, inclusive o Brasil, estabeleceu 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, incluindo além de vários voltados para o combate `a pobreza em suas diferentes formas e nuances, também, um conjunto de objetivos voltados para um melhor cuidados com a natureza, a “nossa Casa Comum”, principalmente no enfrentamento das temidas e catastróficas mudanças climáticas.
Esses objetivos tem como horizonte para a sua realização o ano de 2030, dai também serem chamados de Agenda 2030 e são os seguintes: 1) Erradicação da pobreza; 2) Fome zero e agricultura sustentável; 3) Saúde e bem estar; 4) Educação de qualidade; 5) Igualdade de gênero; 6) Água potável e saneamento básico; 7) Energia limpa e acessível; 8) Trabalho decente e crescimento econômico; 9) Indústria, inovação e infraestrutura; 10) Redução das desigualdades; 11) Cidades e comunidades sustentáveis; 12) Consumo e produção responsáveis; 13) Ação contra a mudança global do clima; 14) Vida na água; 15) Vida terrestre; 16) Paz, justiça e instituições eficazes e, 17) Parcerias e meios de implementação.
Como vimos, tanto nos Objetivos do milênio quanto nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável os dois primeiros são a erradicação da pobreza extrema e o combate `a fome, além de vários outros que estão na origem da situação de pobreza mundo afora e também no Brasil.
Isto significa que se os países tiverem vontade politica e definirem como prioridade absoluta esses desafios, com certeza, o ritmo da redução e extinção da pobreza em geral e da pobreza extrema e suas consequências mais imediatas podem ocorrer em menos tempo do que se as politicas públicas continuarem a favorecer o acúmulo de capital, renda, riqueza e patrimônio nas mãos de uma minoria, que geralmente se confunde com os “donos do poder”.
Concluindo esta reflexão/artigo, destaco um trecho do pronunciamento do Diretor Geral do Programa da ONU para a alimentação, em 24 de setembro de 2021, quando do lançamento do Relatório das ações daquele programa quando dizia “ Em um mundo cheio de riquezas, com tantos milionários e bilionários, que ostentam uma vida nababesca e aumentam diariamente o volume de suas rendas, riquezas e patrimônio, enquanto a grande maioria da população continua vivendo na pobreza e na miséria e vendo reduzir suas rendas e nível de vida; nada menos do que 9 (nove) milhões de pessoas morrem anualmente pela fome e suas consequências”.
No mesmo relatório, também é mencionado que somente no período da pandemia da COVID-19; enquanto 634 milhões de pessoas contraíram a doença e 6,6 milhões morreram, a grande maioria de pobres; a renda, riqueza e patrimônio desses milionários e bilionários aumentou em 5,2 bilhões de dólares por dia, ou seja, 1,9 trilhões de dólares por ano, aumentando o volume de US$400,0 trilhões de dólares ou R$2,2 quatrilhões de reais nas mãos dessas minorias.
Aí estão, na verdade, a origem e o âmago da questão dos pobres, da pobreza, da fome, da miséria, da exclusão, da violência e das injustiças que moldam todas as sociedades e Nações, independente das cores das bandeiras nacionais, pouco importando que sejam, verde, amarela, azul, branca, vermelha ou preta.
Com Certeza, a caridade assistencial, quando oferecemos um pedaço de pão “amanhecido” ou um prato de comida, as vezes sobra do dia anterior, isto ajuda a minorar por algumas horas ou dias a dor da fome, que é uma consequência direta da situação de pobreza em geral ou da pobreza extrema, mas só isso não basta, Precisamos promover mudanças profundas nos modelos econômicos e de desenvolvimento nacional para reduzir a concentração de renda, riqueza, patrimônio e oportunidades nas mãos de uma minoria; condição necessária, suficiente e fundamental para romper este ciclo de violência, injustiça e exclusão que tanto nos envergonha e causa sofrimento no Brasil.
Em boa hora, o Governo Lula, eleito, democraticamente, para reconstruir e dar novos rumos ao Brasil, tem sinalizado que em sua gestão, para os próximos quatro anos, estarão incluidas, como prioridades, ações voltadas para o combate `a pobreza, `a fome, `as desigualdades econômicas e sociais, ao lado de um melhor cuidado com o meio ambiente. Só assim teremos um país com mais equidade e justiça social.
JUACY DA SILVA, professor titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, articulador da Pastoral da Ecologia integral e ambientalista. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats app 65 9 9272 0052