Por que Brasil não vai conseguir eliminar os lixões até 2024

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Estudo indica que apenas a região Sul deve conseguir eliminar os aterros irregulares até o fim desta década. Para especialistas, solução passa por cobrança da coleta e concessão do serviço à iniciativa privada.

Por ano, são 30 milhões de toneladas de lixo descartadas a céu aberto, em aterros irregulares, chamados popularmente de lixões. É uma imensidão — o peso equivale a quase duas vezes a produção anual de laranjas do país, por exemplo.

Essas montanhas de lixo são um problema não só para a paisagem urbana. Elas contaminam o solo e o lençol freático — ou seja, infectam os reservatórios de água —, liberam gases poluentes na atmosfera e acabam se tornando ponto de proliferação de doenças.

Acabar com esse cenário não é tarefa fácil. Em 2010, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos foi sancionada e deixou a meta de que todos os lixões fossem extintos até 2014. Isso não ocorreu e, uma década mais tarde, cerca de 3 mil espaços do tipo ainda funcionavam no país. Em 2020 foi aprovado o Novo Marco Legal do Saneamento, com previsão de acabar com os aterros até 2024.

As novas regras criaram um cronograma em que todos os municípios precisavam apresentar, até o fim daquele ano, um plano para a desativação dos lixões. Capitais e cidades de regiões metropolitanas foram incumbidas de resolver o problema até agosto de 2021. Em seguida, os demais municípios com mais de 100 mil habitantes teriam mais um ano para isso. Até 2023 seria a vez dos com população entre 50 mil e 100 mil. E todos os restantes até o segundo semestre de 2024.

O recém-concluído relatório Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana, em sua sétima edição, mostra que não só o Brasil não vai conseguir cumprir essa meta nos próximos dois anos como, a julgar pelo que vem sendo feito, em 2030, somente a região Sul do país terá erradicado 100% dos lixões.

É onde os resultados são melhores. De acordo com o relatório, os municípios do Sul fazem uma destinação correta de 89,2% do lixo ali produzido; no Sudeste, o índice é de 60,8%; no Centro-Oeste, 22,9%; no Nordeste, 21,2%; e, no Norte, apenas 16,3%.

Realizado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb) em parceria com a empresa de auditorias PricewaterhouseCoopers, o levantamento ainda aponta que mais da metade das cidades brasileiras ainda destinam resíduos para os lixões a céu aberto ou outras instalações irregulares.

E, contrariando o determinado pelo Novo Marco, três capitais — Cuiabá, Porto Velho e Boa Vista — ainda descartam lixo em aterros do tipo. Foram analisadas 4.480 cidades brasileiras, por meio de dados disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).

Gargalo financeiro

“Esse tipo de estudo é de suma importância, porque traz um raio-X de como o Brasil ainda está atrasado no tratamento do lixo”, avalia o biólogo Mairon Bastos Lima, pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo.

Ele comenta que os números “trazem algo que já era previsto por pessoas habituadas a trabalhar com municípios brasileiros”, ou seja, “a observação de que dificilmente [a nova lei] sairia do papel”. “Ter a lei foi fundamental e continua sendo. Mas é preciso agora compreender melhor os entraves e criar as condições para que mais municípios cumpram as normas”, argumenta o biólogo.

Se os lixões irregulares são o problema mais visível, a outra ponta da história também preocupa: seguem baixos os índices de reciclagem no país, apenas 3,5% do lixo produzido no país. Na região Sul, 8% do lixo é destinado para a reciclagem; no Nordeste, onde a reciclagem tem o pior aproveitamento, apenas 0,8% do total.

Mulher procura alumínio em Manaus: seguem baixos os índices de reciclagem no país, apenas 3,5% do lixo produzido em todo o Brasil 

Lima avalia que o principal gargalo é financeiro. “É preciso analisar os porquês dos atrasos, quais capacidades ainda são deficitárias e como os governos estaduais e federal podem ajudar [os municípios] na execução desse plano”, diz ele.

“Não pode ser só ditar a regra e deixar os municípios ao deus-dará. Senão o que ocorre é isso: cidades e estados mais ricos, que já têm capacidade institucional bem montada e recursos financeiros, executam o plano enquanto outros seguem com cobertura muito baixa. Não vai sair do papel a menos que se examinem as condições necessárias e se criem essas condições, sobretudo para os municípios mais pobres.”

Consultor do Banco Mundial para assuntos relacionados a resíduos sólidos, professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e co-autor do livro ‘Gestão de Resíduos Sólidos’, o advogado Fabricio Soler defende a cobrança da coleta como solução para “a sustentabilidade econômico-financeira” da operação.

“Uma taxa, uma tarifa para cobrir os custos desse serviço é fundamental para que o país supere o cenário ainda hoje horrendo de inúmeros municípios que ainda usam lixões”, argumenta ele. “Cumprir o Novo Marco Legal é assegurar, de um lado, a cobrança da taxa e, do outro, que os recursos sejam aportados em um gerenciamento ambientalmente correto, com realização de coleta seletiva e aumento da reciclagem e implantação de aterros sanitários de maneira que cumpram a legislação federal vigente”, acrescenta Soler.

Diretor de sustentabilidade da Selurb e coordenador do comitê de governança ambiental do Instituto Brasileiro de Autorregulação do Setor de Infraestrutura, o engenheiro Carlos Rossin corrobora a defesa da cobrança. “Resíduo domiciliar é uma infraestrutura de unidade domiciliar, como água, energia elétrica”, diz. Conforme ele defende, são atividades que necessitam de um pagamento pelo consumo de cada família, não devendo ser arcadas de forma coletiva como a varrição de rua, por exemplo. “Este é um ponto crucial”, frisa.

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A julgar pelos números, é o que funciona mais. No Sul do país, onde os resultados são melhores, há uma cobrança específica para o lixo em 84% dos municípios — contra apenas 6,6% no Nordeste.

Rossin também defende que o manejo do lixo seja terceirizado, por meio de concessões, para a iniciativa privada. O relatório mostrou que no caso dos municípios de Santa Catarina, onde há o maior número de concessões, a eficiência tem sido maior do que quando a gestão é feita diretamente pelo poder público. Considerando os dados do estado, o custo da operação concessionada por tonelada de lixo foi de R$ 306, frente a R$ 320 no caso da feita sem concessão.

Capitais com lixões

A reportagem da DW Brasil procurou as prefeituras dos municípios de Cuiabá, Porto Velho e Boa Vista, questionando-as a respeito do não cumprimento das diretrizes do Novo Marco e a continuidade de descarte de lixo em lixões a céu aberto.

A prefeitura de Cuiabá informou, em nota, que a “desativação gradativa do atual aterro sanitário” está em andamento. Atualmente, está em fase de licitação para a definição da empresa que será encarregada do serviço.

Também em nota, a prefeitura de Porto Velho confirmou que os resíduos sólidos domiciliares urbanos continuam sendo despejados no local popularmente conhecido como Lixão da Vila Princesa, e informou que uma usina de triagem está sendo implantada, via concessão, para solucionar o problema. A administração municipal enfatiza que esta “é uma preocupação” e diz que “a futura formalização do contrato de concessão” seria “uma solução viável economicamente para os cofres públicos”.

Até a tarde de sexta-feira (14/10), a prefeitura de Boa Vista não havia dado retorno à reportagem.

Fonte:  dw.com


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