A menos de três semanas das eleições, dados mostram que algumas das maiores siglas descumprem cota mínima de recursos do fundão eleitoral para mulheres e pessoas negras. Candidatas reclamam de liberação tardia de verbas.
https://www.dw.com/pt-br/partidos-atrasam-repasses-a-mulheres-e-preterem-negras/a-63073422
Passadas quatro semanas desde o início da campanha eleitoral, a DW compilou dados de oito partidos – Agir, MDB, PL, PSD, PSDB, Psol, PT e União Brasil – e constatou que três deles ainda não repassaram a cota mínima de 30% de recursos do fundão eleitoral a mulheres: PT, o segundo maior beneficiário de verbas públicas de campanha, o PSD e o PL, do presidente Jair Bolsonaro.
O levantamento é baseado em dados parciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) compilados pelo projeto 72 Horase consultados na manhã da última segunda-feira (12/09) – véspera da data limite fixada pela corte para o cumprimento da cota.
Segundo os dados parciais, o PT, por exemplo, havia destinado 25,2% do fundão eleitoral às candidaturas femininas, valor aquém da cota mínima de 30% – e isso embora elas correspondam a quase 37% das candidaturas do partido.
A três semanas da votação, cerca de um terço (36%) das candidaturas femininas do PL ainda não havia recebido nenhum centavo sequer de verba pública – situação parecida à do PSDB (31%).
No MDB, da candidata à Presidência Simone Tebet, uma em cada quatro mulheres (28%) também não havia declarado qualquer recurso público. No nanico Agir, antigo Partido Trabalhista Cristão, sigla à qual pertence uma candidata ouvida pela DW, o quadro é ainda pior: três de cada quatro mulheres (74%) estavam, a julgar pela ausência de prestação de contas, sem verba pública de campanha.
Por lei, as candidaturas são obrigadas a prestar contas a cada 72 horas à Justiça Eleitoral ao longo da campanha.
Mulheres têm menos recursos do que homens
A distribuição de verba pública entre os partidos também é, em larga medida, injusta em relação às mulheres, que têm em média menos recursos à disposição. À exceção do Psol, a distorção afeta todos os partidos analisados para esta reportagem, sendo mais grave no PSD, onde homens têm aproximadamente o dobro do dinheiro disponível para as suas campanhas em relação às colegas mulheres – em média R$ 208 mil a mais.
A conta desconsidera os valores destinados às campanhas presidenciais de Bolsonaro, do PL, e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que elevam a verba média dos homens. Com esses valores, as mulheres nessas duas siglas estão em situação de desvantagem similar à enfrentada por candidaturas femininas no PSD.
Se desconsideradas também as duas candidaturas femininas à Presidência do MDB e do União Brasil (Simone Tebet e Soraya Thronicke, respectivamente) a disparidade em valores médios destinados a mulheres e homens aumenta – no primeiro partido, homens levam até 2,7 vezes mais; na União Brasil (UB), mulheres receberam em média 76% do valor dos homens.
O subfinanciamento de campanhas femininas é um problema apontado pela ONG de formação política A Tenda das Candidatas, que critica a cota de 30% como insuficiente. “A lei não proíbe a concentração de gastos em uma candidatura só e não garante que recursos sejam melhor divididos entre um número maior de candidatas”, afirma Hannah Maruci, uma das coordenadoras da Tenda. A organização lançou o guia Desculpas não pagam campanhas! para ajudar candidatas a pressionar seus partidos por um financiamento de campanha justo.
As verbas do fundão eleitoral são importantes porque custeiam a maior parte das despesas na campanha eleitoral – respondem, até agora, por 91,6% das receitas.
Com mais da metade da campanha transcorrida, quem ainda não se engajou por falta de verba deve ter dificuldades em construir uma candidatura viável a essa altura.
Em 2021, o Código Eleitoral passou a prever o crime de violência política de gênero, definido pelo assédio, constrangimento, humilhação, perseguição ou ameaça a candidata ou detentora de mandato eletivo que impeça ou dificulte sua campanha ou mandato, quando houver motivação misógina ou racista. Segundo o Ministério Público Federal, a lei abarca também casos em que mulheres sejam impedidas de acessar recursos de campanha.
Abismo entre homens brancos e mulheres negras
Se considerada a autodeclaração racial das candidaturas, a disparidade se repete entre mulheres brancas e negras. As únicas exceções são o Agir e a União Brasil – se desconsiderada a presidenciável Soraya Thronicke, mulheres negras receberam até mais que suas pares brancas.
A desigualdade é mais perversa no PSDB, no qual candidatas brancas receberam, em média, 2,6 vezes mais do que negras – uma diferença de R$ 218 mil. No PL, mulheres brancas levaram quase o dobro, com R$ 135 mil a mais em média. No MDB, se considerada a candidatura de Simone Tebet, brancas tiveram valores 2,7 vezes superiores – sem Tebet, a proporção cai para 1,6.
Mas a maior discrepância está entre homens brancos e mulheres negras – aqui, mais uma vez, o Psol é a única exceção, destinando em média R$ 30 mil a mais a elas.
Os campeões de desigualdade são PT e PSDB, nos quais um homem branco recebeu em média 3,5 vezes mais que uma candidata preta ou parda – uma diferença de R$ 515 mil e R$ 344 mil, respectivamente; PSD, PL e MDB, seguidos por Agir e União Brasil, nesta ordem. Se desconsiderada a candidatura de Lula, a diferença entre homens brancos e mulheres negras no PT cai para R$ 243 mil, com eles recebendo mais do que o dobro delas.
Esses partidos também têm descumprido a determinação do TSE de destinar valores proporcionais à quantidade de candidaturas pretas e pardas, regra que vale a partir destas eleições. Só o Psol e a União Brasil chegavam perto – o primeiro destinou 60,3% dos repasses a esse segmento, que responde por 61,5% das candidaturas; o segundo, 45,8%, sendo que 47,5% dos nomes lançados pela União Brasil são de pretos e pardos.
Mulheres reclamam sobre demora nos repasses
A DW conversou com três candidatas e uma coordenadora de campanha que relataram dificuldades no financiamento de suas atividades e batalham junto a seus partidos a liberação dos recursos em tempo hábil.
Com exceção de uma delas, todas falaram sob condição de anonimato por temerem melindrar os partidos e prejudicar suas campanhas.
Pleiteando uma vaga de deputada federal pelo PT do Rio, a ativista LGBTQ Indianarae Siqueira relata ter recebido a promessa de R$ 165 mil do partido, valor que considera insuficiente para fazer sua candidatura deslanchar.
Outro problema é que a verba não foi liberada de imediato. Até o dia 5 de setembro, ela só tinha R$ 35 mil na conta. “Não dá para nada”, desabafou. Se o dinheiro chega atrasado, “a gente não consegue gastar e tem que devolver”.
Siqueira diz ter perdido tempo valioso por não dispor do orçamento desde o início da campanha, o que inviabilizou o pagamento de prestadores de serviços e a realização de atividades planejadas.
Ela diz ter procurado o partido diversas vezes para tentar agilizar as transferências – sem sucesso. Dois dias depois, contudo, recebeu um segundo repasse, de R$ 95 mil. Até o fechamento desta reportagem, a prestação de contas dela no TSE já exibia o valor de R$ 152 mil – Siqueira relata, porém, que a verba já está toda comprometida e ela ainda está devendo dinheiro.
“Tem algumas candidaturas que estão privilegiadas mesmo, com mais de R$ 1 milhão, R$ 600 mil – de parlamentares e pessoas em que eles estão apostando. Homens, principalmente. Candidaturas de mulheres praticamente não têm dinheiro”, afirma Siqueira.
A demora nos repasses também é um problema citado por uma coordenadora de campanha que trabalha para diversas candidatas do Psol.
“O recurso sempre chega muito tarde. Se você não tiver grana, carro próprio, você fica parada até o dinheiro chegar. E isso afeta muito as candidaturas negras e de mulheres”, lamenta a coordenadora.
Segundo ela, pessoas que não têm boas conexões dentro do partido acabam sendo mais prejudicadas, já que é preciso fazer muito lobby para negociar repasses mais adequados e liberar os valores combinados e em tempo hábil.
Subfinanciamento de candidaturas femininas e negras no PT
Além de o PT destinar um valor aquém da cota mínima de 30% das verbas públicas para candidaturas familiares, o orçamento liberado pelo partido também foi maior para mulheres brancas – elas dispõem, em média, de R$ 106 mil a mais do que suas colegas pretas e pardas.
No PT, pretos e pardos – metade dos nomes lançados pelo partido – não têm recebido repasses proporcionais à quantidade de candidaturas. A fatia de recursos do fundão eleitoral investida nesse segmento foi de 23%.
Na contramão do que ocorre no PT, o Psol tem privilegiado candidaturas de mulheres, destinando à ala feminina 50% dos repasses feitos até então – elas são 39% dos nomes lançados pelo partido. A distribuição per capita para candidatas brancas, porém, é em média R$ 1,3 mil superior à de pretas e pardas.
Contudo, a coordenadora de campanha do Psol ouvida para esta reportagem apontou a existência do que chamou de “candidaturas black face”, quando pessoas brancas se declaram como pardas para receber pela cota de raça.
“Para ser seguido no mercado ou ir preso ninguém quer ser negro, só quer na hora de ganhar alguma coisa”, alfineta.
Sessão de posse do Senado eleito para a legislatura de 2019-2022. Casa, assim como a Câmara, é predominantemente masculina.Foto: Pedro França/Agência Senado
Candidaturas negras preteridas no PSD
Mulheres negras também são subfinanciadas no PSD, sigla à qual pertence uma candidata negra à Câmara ouvida pela DW.
Ainda segundo dados do TSE compilados pelo 72 Horas, mulheres receberam 26,7% dos recursos do PSD, abaixo da cota mínima de 30%, e isso apesar de responderem por 34% das candidaturas no partido. A maior distorção atinge candidatas pretas e pardas – elas tiveram, em média, R$ 132,9 mil a menos que suas colegas brancas, R$ 154,3 mil a menos do que homens pretos e pardos e R$ 366 mil a menos que homens brancos.
No estado em que concorre a pessedista ouvida pela reportagem, o valor total dos repasses a ela fica atrás de outras 20 candidaturas ao mesmo cargo – 17 são pessoas brancas que concentram, sozinhas, 76% dos repasses da sigla para campanhas à Câmara.
A candidata diz também ter observado vários brancos que agora se declaram como pardos por causa da contagem em dobro dos votos recebidos por negros no cálculo do fundão eleitoral, mudança estabelecida por Emenda Constitucional em 2021.
“Os partidos saíram laçando negros e mulheres como candidatos”, afirma. “É um crime de falsidade ideológica branco que não sofre racismo se declarar pardo, sendo que essas pessoas já têm curral eleitoral, já sabem que vão ser eleitas.”
A pessedista diz ainda que só foi receber os recursos mais de duas semanas depois do início da campanha. “Se já tinham a intenção de entregar pouco ou quase nada, por que não fizeram isso [repasse] no dia 16 de agosto, quando começou oficialmente a campanha? Perdi 15 dias porque não podia montar equipe, pensar em material, nada, porque não sabia quanto dinheiro viria nem quando.”
Candidata do Agir não recebeu nem R$ 1
Outra pleiteante à Câmara afirma não ter recebido, atéa última sexta-feira, um real sequer do partido, o nanico Agir. “Não tenho um santinho, um adesivo, nada”, diz a candidata, que está bancando a campanha do próprio bolso. “O partido não acredita na minha campanha. Mas temos certeza de que vamos marcar um golaço.”
Ela relata que até o número que escolheu para se candidatar foi, de última hora, entregue a outra pessoa. Tentativas de diálogo com o partido, diz, têm sido infrutíferas. Mas a candidata afirma não ver má-fé. “Eles estão sempre ocupados.”
Segundo a candidata, ela não é a única afetada pela falta absoluta de recursos, mas aponta que homens com carreira pregressa na política estão sendo privilegiados.
Dados do TSE compilados pelo 72 Horas apontam que o Agir tem cumprido a cota mínima de recursos públicos para mulheres, mas ainda está atrás em relação a candidaturas pretas e pardas, que são quase 55%, mas não ficaram com nem um terço da verba distribuída até agora.
Porém, das 950 candidaturas lançadas pelo Agir, apenas 208 receberam algum repasse a essa altura da campanha, sendo que do total de R$ 10,1 milhões em verba pública distribuída pelo partido, R$ 5,67 milhões (56%) estão concentrados em 11 candidaturas, e só duas são de mulheres – a campeã, com R$ 1,2 milhão, é Jaqueline Silva, deputada distrital que tenta a reeleição e que concentrava 40% do total distribuído pelo Agir a mulheres.
O que dizem os partidos
Procurada, a diretoria nacional do Psol afirmou que a divisão dos recursos nos estados é responsabilidade dos diretórios estaduais, e recomendou contatá-los diretamente para saber o motivo da demora nos repasses. Declarou ainda que não tem informação sobre candidaturas “black face” ou demora nos repasses a candidatas.
A pedido das entrevistadas, a reportagem não procurou nenhum diretório estadual, já que isso as tornaria facilmente identificáveis.
O PT informou que “o repasse de recursos aos diretórios e candidatos do partido é feito de acordo com um fluxo de desembolsos que contempla todas as campanhas. Os repasses serão integralizados dentro dos critérios e prazos legais”.
O PSD declarou que “os repasses às instâncias partidárias e candidaturas estão em andamento e seguem a legislação vigente”.
A reportagem fez contato com o Agir, mas não obteve retorno da sigla. PSDB, PL e MDB também não retornaram às perguntas da reportagem.
Corrida desigual pelo voto
Apesar de serem maioria no país, mulheres ainda são minoria em cargos eletivos. Enquanto eleitoras, elas podem até virar alvo preferencial do marketing das campanhas, mas a coisa frequentemente muda de figura quando sobem no palanque para concorrer de igual para igual com seus pares homens.
Preteridas pelos partidos, elas em geral têm menos espaço nas siglas – são 34% das candidaturas neste ano, ainda assim um patamar recorde –, menos dinheiro para tocar suas campanhas e menores chances de conquistar um mandato eletivo. As mulheres negras são as que enfrentam mais dificuldades.
Nas últimas eleições gerais, em 2018, mulheres encararam o dobro da concorrência dos homens – de cada 32, uma se elegeu; entre os homens, esse índice foi de um em cada 14 candidatos. A desigualdade se repetiu nas eleições municipais, quando a concorrência entre mulheres foi de 19 para uma e a dos homens, 7 para um. Em 2018 elas ficaram com 17% dos mandatos, e em 2020, com 15%.
Fonte: dw.com