A inflação deve ganhar destaque no debate das eleições em 2022. Isso por conta do momento econômico que o Brasil está passando e dificuldade da população em manter o poder de compra.
Além de afetar do rico até o mais pobre, esse efeito impacta ainda mais as classes menos favorecidas, visto que os itens que mais sofreram reajustes foram os alimentos e transporte, com o aumento dos combustíveis, conforme já noticiado em várias publicações do MT Econômico.
Essa dificuldade que atinge o Brasil, também impacta diversos países do mundo, num cenário de pós-pandemia e é claro, os governantes, como o presidente Jair Bolsonaro, que teve sua popularidade reduzida diante das pesquisas entre 2021 e 2022.
O MT Econômico entrevistou o economista Ernani Lúcio de Souza sobre o atual contexto econômico no período das eleições deste ano.
Ernani é economista da UFMT, ex-vice-presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-MT), atuou no Núcleo de Pesquisa Econômica e Social da Faculdade de Economia e no Núcleo de Estudos Energéticos (NIEPE) da Universidade Federal de Mato Grosso.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista e no final da matéria o áudio completo.
MT Econômico: Nas últimas eleições, a maior tônica do debate era o combate à corrupção, que foi inclusive um dos principais slogans de campanha do presidente Bolsonaro. Em 2022, o foco mudou, as pessoas estão mais preocupadas com a economia e inflação, por conta da dificuldade da população em conseguir manter a sua renda e consumo. Inclusive, este é um dos principais fatores da baixa popularidade do atual governo. Como o senhor enxerga esse cenário?
Ernani Lúcio de Souza: Primeiramente, vamos dizer que existe a economia da produção e da distribuição, eu não acredito no benefício da economia da corrupção, ela não é positiva de nenhuma forma. Portanto, o foco para essas eleições seria sim, continuar com o combate à corrupção e ver qual o melhor caminho para lidar com esse problema da inflação, decorrente dessa rusga global e que pode transbordar em um problema de recessão grave no mundo.
MT Econômico: Junto com a inflação, tem também a questão fiscal do governo. Nessa reta final de campanha, inúmeros auxílios foram implementados, como o reajuste do Auxílio Brasil, o Auxílio Caminhoneiro, o Auxílio Taxista, o Auxílio Gás e tantos outros. São em torno de 22 auxílios para os menos favorecidos, o que por um lado é bom, uma politica de assistencialismo básico, mas por outro lado, sabemos que isso custa dinheiro e prejudica a questão fiscal do governo. Como o senhor vê essa tentativa do governo federal em buscar uma nova âncora fiscal, aumentando o teto de gastos para não infringir a lei de responsabilidade fiscal, isso é um risco para o país, acaba gerando desconfiança dos investidores? Como o senhor analisa isso?
Ernani Lúcio de Souza: É possível dizer que é relativamente aceitável que nos momentos de eleição, o Brasil alcança picos inflacionários e isso está em qualquer gráfico que você pegar, seja do IPEA, do Banco Central, do Ministério da Economia você vai ver que nos momentos de eleição nossa inflação sobe. E por quê? Porque vem o orçamento populista que traz dois problemas: o primeiro é o déficit orçamentário que pode ocorrer e o segundo é o aumento da inflação, porque é injetado excesso de dinheiro na economia. Isso pode fazer com que ocorra a inflação por termos choque de oferta e excesso de dinheiro no mercado. Porém recentemente já está caindo a inflação, tendo até deflação. Vamos torcer para que isso continue. A alta generalizada e ascendente dos preços, que faz com que a inflação exista, já não está mais acontecendo.
MT Econômico: Temos acompanhado continuamente os preços dos alimentos e dos combustíveis, publicamos inclusive, diversas matérias sobre isso e observamos que, de mais ou menos um ano para cá, tem-se tentando substituir os presidentes da Petrobras para que fosse possível ter uma política de preço dos combustíveis um pouco menos austera. Aparentemente na reta final da campanha eleitoral, o atual governo percebeu que a inflação é um calcanhar de Aquiles à sua popularidade, então, os valores dos combustíveis começaram a baixar. Isso não é algo que poderia ter sido feito há mais tempo, para não ter “sangrado” tanto o bolso do consumidor?
Ernani Lúcio de Souza: Caímos na questão das estratégias políticas, apesar de que há mais de um ano atrás, o presidente Bolsonaro vinha brigando contra as taxas da CIDE [combustíveis] e da CDE [desenvolvimento energético] e isso tudo é um peso a mais que vem caindo na conta do consumidor, mas que é preciso, são dois pontos: com relação a combustíveis, eu estava vendo uma fala do Adriano Pires, que foi cotado inclusive para ser presidente da Petrobras, dizendo que nós importamos 25% do diesel e 15% da gasolina, mas será que é isso que interfere nessa alta constante do preço geral do Petróleo e dos combustíveis? Será que o problema não é mais relacionado à continuidade de obras e projetos para termos novas refinarias no Brasil? Será que o problema da Petrobras não é a falta de novos investimentos, capacidade produtiva para começar a se livrar desse problema? Essas são questões que virão à tona nos debates e vai cair naquilo né: ‘privatização ou não da Petrobras?’ ‘privatização ou não da Eletrobras?’ ‘privatização ou não da Caixa Econômica, dos Correios, do Banco do Brasil?’
Eu gostaria de dizer que as pessoas que trabalham na Caixa, no Banco do Brasil, são pessoas de excelente nível, só que elas estão ali cuidando de banco e isso é o tipo de coisa que os bancos privados poderiam atender, com salários compatíveis, é obvio. Dessa forma, eu acho que a Caixa Econômica deveria ficar responsável por carteira de habitação somente, enquanto o Banco do Brasil ficaria responsável somente pela carteira do crédito agrícola e o crédito comercial passaria para os bancos privados. Agora, vai falar isso para os funcionários do banco que eu tanto respeito, é claro, eu também sou funcionário público, mas precisamos começar a pensar dessa forma, já que me parece que grande parte da mão de obra qualificada no Brasil está no setor publico e isso precisa haver um equilíbrio. Essa é uma das sugestões que eu penso com relação a privatização. Mas é claro que privatizar por privatizar não é viável, é preciso pensar em todo um projeto, já que no caso da Petrobras por exemplo, é uma estrutura produtiva que custou caríssimo para o Brasil, portanto precisa de um projeto. O que aliás, o presidente Bolsonaro, como militar, de linha militar tem defendido essa proposta de privatização da Petrobras.
MT Econômico: Até porque alguns especialistas defendem a quebra do monopólio no sentindo da mesma forma que eram as teles [empresas de telefonia] há alguns anos atrás, como era caro termos um plano de telefonia e isso se pulverizou em mais companhias no mercado, aumentando a competividade e melhorando o preço para o consumidor, não é mesmo? Será que esse talvez seria o caminho? Diversificar o refino não apenas para uma, mas para várias empresas explorarem esse mercado?
Ernani Lúcio de Souza: Me parece que esse vai ser o caminho, muito bem lembrado o sistema de telefonia, a Telebras foi privatizada. Agora, um outro ponto que as pessoas também estão discutindo na praça, não basta privatizar somente, temos que dar atenção às reformas, principalmente a reforma tributária, e isso sim, vai dar capacidade pro empresário privado “respirar”. O ex-presidente Lula, certa vez, falou que a reforma tributária nunca vai sair no Brasil, mas precisa sair.
MT Econômico: Como a reforma previdenciária né, que demorou tanto tempo, foi dolorosa, mas saiu.
Ernani Lúcio de Souza: sim, é duro dizer isso, mas o Estado precisa ser racional e eficiente, senão as coisas não melhoram.
MT Econômico: Ou seja, cortar gastos né?
Ernani Lúcio de Souza: Exatamente! Racionalidade e eficiência, cortar gastos, onde for possível cortar. Aliás, parece que isso tem sido feito através dos impostos que têm sido reduzidos. Agora, se for reduzir os impostos, é necessário reduzir despesas também, o que acaba diminuindo o tamanho do Estado, mas não se deve reduzir o tamanho do estado por reduzir, o ideal é reduzir para buscar quais são suas funções típicas e das quais somos carentes: saúde, educação, infraestrutura, saneamento.
MT Econômico: Ou seja, realocar melhor o orçamento e a verba que existe, em prol do cidadão.
Ernani Lúcio de Souza: Uma outra que eu tenho chamado atenção, com a redução das alíquotas tributárias e ai vieram os governadores dizendo, que ia falta dinheiro para a saúde, educação e até alimentação. Isso significa dizer que, quando se reduz impostos, é porque está tentando tirar a economia dessa crise que estamos vivendo, crise de baixo consumo. Apesar dessa redução de alíquotas, o momento primeiro é sim impactar na arrecadação, mas é o que tem chamado de arrecadação reversa. Com o tempo, no médio prazo, é possível que os estados comecem a arrecadar mais, devido ao aumento do consumo. Isso porque se aumenta o consumo, aumenta a arrecadação.
Outra coisa a ser ponderada: se o nosso PIB está em torno de 8 trilhões de reais, coloca 30% a 40% de informalidade que o país tem, que acaba sendo uma economia neutra. Se houver uma carga tributária aceitável, você consegue incorporar a economia informal, trazendo para a formalidade, aumentando também a arrecadação.
MT Econômico: Inclusive, tentaram fazer isso, há muitos anos atrás, com a criação do Simples Nacional, visando atrair os comerciantes informais. Caso o pequeno comerciante, bem pequeno mesmo, como a barraquinha de cachorro quente, tiver algo tipo um “Super Simples” e pagar pelo menos 3%, com algum beneficio em contrapartida, então, talvez parte desses 30% de informais que o senhor menciona pode virar arrecadação também, não é mesmo?
Ernani Lúcio de Souza: Isso mesmo. Com isso pode aumentar arrecadação. É importante lembrar que a informalidade não ocorre apenas com os que não pagam impostos por serem pequenos, mas também os grandes com a sonegação fiscal pela alta carga tributária, são os vazamentos tributários, né. E por esses motivos, Brasil precisa sim de uma reforma tributária.
MT Econômico: Gostaria de agradecer a sua presença aqui no Mato Grosso Econômico e desejar muito sucesso na sua trajetória. Encerramos por aqui e gostaríamos que o senhor trouxesse as suas considerações finais.
Ernani Lúcio de Souza: Eu gostaria de agradecer pela oportunidade e a mensagem que eu gostaria de deixar ao final é que é necessário no Brasil, a gente ter uma economia forte. Economia forte não seria a ausência de Estado, mas sim a parceria entre Estado e Mercado e para tanto, é bom que o Estado reduza sua participação na economia, basta pegar o exemplo do orçamento geral da União que é em torno de 50% do PIB. Isso é um Estado grande, no entanto, o Estado não precisa ser grande ou pequeno, ele precisa ser eficiente, dar condições e gerar ambiente para o capital produtivo e capital produtivo é renda e renda é consumo e consumo é bem-estar.
Fonte: matogrossoeconomico.com.br