O escritor Salman Rushdie, cuja obra o fez alvo de ameaças de morte pelo Irã nos anos 80, foi apunhalado no pescoço por um homem nesta sexta-feira (12/08) enquanto se preparava para dar uma palestra na região oeste do estado de Nova York.
Rushdie, de 75 anos, foi levado de helicóptero a um hospital e submetido a cirurgia. O seu agente literário afirmou ao jornal New York Times que o autor respira com ajuda de aparelhos. “As notícias não são boas. Salman provavelmente perderá um olho, teve os nervos de seu braço rompidos e seu fígado foi esfaqueado e danificado”.
Um repórter da agência de notícias Associated Press viu um homem confrontar Rushdie no palco da Chautauqua Institution e esmurrá-lo ou esfaqueá-lo de 10 a 15 vezes. O escritor foi então empurrado ou caiu no chão, e o homem foi preso.
As autoridades não identificaram imediatamente o agressor nem ofereceram qualquer informação sobre sua motivação. O moderador do evento também foi atacado e sofreu um pequeno ferimento na cabeça, disse a polícia.
Ativista da liberdade de expressão
Após o ataque, alguns participantes do evento questionaram por que não havia maior segurança no local, tendo em vista as ameaças que Rushdie recebe há décadas, e de haver uma recompensa oferecida por organizações iranianas de mais de 3 milhões de dólares (R$ 15 milhões) a qualquer pessoa que o mate.
Kathleen Jone, uma das cerca de 2.500 pessoas que estavam na plateia, disse que o agressor estava vestido de preto e usava uma máscara preta. “Achamos que talvez fosse parte de uma intervenção para mostrar que ainda há muita controvérsia em torno deste autor. Mas ficou evidente em poucos segundos que não era”, disse.
O escritor é um importante porta-voz da liberdade de expressão e de causas liberais, e é ex-presidente da organização PEN America, que disse estar “chocada” com o horror do ataque.
“Não conseguimos pensar em nenhum incidente comparável de ataque violento público a um autor de livros em solo americano”, disse a presidente da organização, Suzanne Nossel, em um comunicado. Rushdie “tem sido alvo por suas palavras por décadas, mas nunca se esquivou nem vacilou”, acrescentou.
Acusado de blasfêmia
Seu romance Os Versos Satânicos, de 1988, foi considerado uma blasfêmia por muitos muçulmanos, que interpretaram um dos personagens como um insulto ao profeta Maomé, entre outras críticas. Protestos muitas vezes violentos irromperam contra Rushdie, que nasceu na Índia em uma família muçulmana. Um desses protestos acabou com 12 mortos em Mumbai, sua cidade natal.
O livro foi proibido no Irã, onde o então aiatolá Ruhollah Khomeini emitiu em 1989 uma fatwa e editou um decreto pedindo a morte de Rushdie – Khomeini morreu naquele mesmo ano. O atual líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, nunca emitiu uma fatwa própria e revogou o decreto, e nos últimos anos o Irã não dedicou muita atenção ao escritor.
As ameaças de morte levaram Rushdie a se esconder sob um programa de proteção do governo britânico, que envolvia segurança armada 24 horas por dia. Rushdie reapareceu depois de nove anos de reclusão e cautelosamente retomou as aparições públicas, mantendo suas críticas abertas ao extremismo religioso.
Ele disse em uma palestra de 2012 que o terrorismo é a arte do medo. “A única maneira de vencê-lo é decidindo não ter medo”, afirmou. Rushdie obteve cidadania americana em 2016 e vive na cidade de Nova York. Ele venceu em 1981 o Booker, principal prêmio da literatura em língua inglesa, pelo livro Os Filhos da Meia-Noite.
A Chautauqua Institution, onde ocorreu o ataque, fica em uma região rural de Nova York e funciona há mais de um século como espaço para reflexão e orientação espiritual. Os visitantes não passam por detectores de metal ou revista de bolsas, e a maioria das pessoas deixa as portas de suas cabanas destrancadas à noite.
O local é famoso por suas conferências de verão, nas quais Rushdie já havia falado antes. Os palestrantes abordam um tema diferente a cada semana. Rushdie e o moderador, Henry Reese, tinham sido convidados para discutir “os Estados Unidos como asilo para escritores e outros artistas no exílio, e como um lar para a liberdade de expressão criativa”.
Fonte: dw.com