“Vivemos um problema muito grave de segurança pública. Isso aflige a nossa sociedade como um todo e o Brasil precisa reagir de forma efetiva. Várias medidas estão sendo tomadas, o governo federal tem feito um trabalho sério, com aumento nas apreensões de drogas e diminuição histórica nos homicídios no Brasil. Mas muito mais precisa ser feito. Precisamos de um marco no Brasil no combate ao crime organizado.” Essa foi a colocação feita na manhã desta quinta-feira (4 de agosto) pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, primeiro palestrante do evento jurídico “Pacote Anticrime – Avanços ou Retrocessos?”.
Responsável pelo Painel 1, cujo tema foi “Combate ao crime organizado no Brasil e precificação das drogas ilícitas”, o ministro destacou que é preciso mudar entendimentos e trabalhar a legislação como um todo, “se preciso for, fazer uma ampla reforma, inclusive constitucional, para que a gente realmente tenha instrumentos e possa fazer frente a essa realidade que tanto assola a população brasileira”, avaliou.
O painel foi presidido pelo diretor-geral da Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso, desembargador Marcos Machado, e teve como mediador o desembargador Marcelo Buhatem (TJRS) e como convidado de honra o secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre Bustamante.
Segundo Torres, já há algum tempo o Brasil tem vivenciado uma inversão muito grande de valores no combate à criminalidade. “Estamos caminhando para a necessidade de uma grande reestruturação no Brasil, sob pena de vivermos dias sem controle no nosso país.” O ministro explicou que há 40 anos eram pequenas organizações criminosas, com hierarquia e poder central e único, como o Comando Vermelho (1979) e o Primeiro Comando da Capital (1993). Atualmente, o país atua como “exportador” do crime organizado. “Essas organizações estão dominando os presídios da América do Sul quase toda. O Brasil precisa fazer essa virada de mesa, que passa diretamente por todos nós que estamos aqui reunidos: Judiciário, Ministério Público, Polícias, sistema penitenciário, Defensoria Pública.”
O ministro pontuou que a atuação do crime organizado talvez represente a maior crise que o país vivencie na atualidade. “Estamos chegando num ponto de esgotamento do nosso sistema. Isso é muito grave. O sistema está chegando ao colapso. O que temos de legislação não condiz com a realidade das ruas, com as políticas públicas que precisam ser implementadas no Brasil. (…) Tivemos o menor número de homicídios na série histórica do Brasil no último ano, mas ainda morreram 40 mil pessoas. Imaginem a tragédia que isso representa numa sociedade como a nossa. Será que não é chegada a hora de rever tudo?”, questionou.
Na palestra, Torres enfatizou a situação extremamente delicada vivenciada no Rio de Janeiro atualmente, uma guerra que, segundo ele, no dia que estourar de verdade, talvez o Estado brasileiro não tenha condições de enfrentar. “Há 22 anos acompanhando essa questão no Brasil e é impressionante a evolução dessas organizações criminosas nos últimos 10 anos. Hoje crime tem começo, meio e fim. Antes não enxergávamos o fim. Hoje conseguimos, infelizmente, enxergar o fim. Vemos o dinheiro das organizações criminosas já sendo usado licitamente, sendo lavado. Filhos e netos dos criminosos usando dinheiro que veio da organização criminosa e isso é muito grave.”
Conforme o palestrante, o Pacote Anticrime trouxe vantagens e desvantagens, mas, para ele, não representa um marco na história do combate à criminalidade. “Precisamos de uma mudança em tudo que tem acontecido no Brasil. Também não adianta só prender, encaixotar essas pessoas. Enquanto não arrumarmos o sistema, a gente não mudará as ruas. Temos que parar de nos enganar e de enganar a população, que acha que quando prende a pessoa se resolve o problema. Essa discussão será aberta no Ministério da Justiça, pois o sistema está muito próximo do colapso. Temos países aqui na América do Sul que já vivem situações dificílimas e não vamos aceitar isso em nosso país.”
Sobre a precificação das drogas, Torres afirmou que entender esse mercado da droga como um todo é extremamente importante para se trabalhar em desfavor dele. “Essa é uma iniciativa extremamente importante e temos buscado entender tudo isso, uma padronização sobre isso, para entender esse mercado, que é um dos principais problemas que o país enfrenta hoje”.
Sobre o tráfico de drogas, o secretário Alexandre Bustamante destacou que no ano passado foram apreendidas 34 toneladas de drogas em Mato Grosso e que o Estado é o que mais realiza leilão de materiais apreendidos do crime organizado. Ele também destacou a importância da união de esforços no combate às organizações criminosas. “Ou a gente se organiza ou o crime organizado vai desmanchar essa sociedade”, assinalou. Conforme explicou, o número de organizações criminosas em todo o Brasil cresce a cada ano em razão do lucro auferido. “Nunca se investiu tanto em segurança pública em Mato Grosso como agora. Mas só isso não basta. O sistema todo tem que ser repensado”, acrescentou.
Sobre a realização do evento jurídico, o ministro Anderson Torres destacou que esse tipo de encontro é fundamental. “Conseguimos reunir aqui membros do Ministério Público, juízes, ministros do Superior Tribunal de Justiça, quer dizer, os diretamente envolvidos na persecução penal, nas decisões judiciais e que têm o direcionamento futuro dessas decisões nas mãos. O Tribunal está de parabéns, as escolas estão de parabéns. Iniciativas como essa são extremamente importantes num momento que a sociedade tanto precisa, de dias melhores, de dias com mais paz.”
Lígia Saito
TJMT