A posse de Sergio Massa como o novo ministro da Economia representa a fase “vai ou racha” do governo argentino. Massa vai anunciar um pacote de medidas para tentar estabilizar uma situação econômica caótica e sonha em repetir o exemplo do então ministro brasileiro Fernando Henrique Cardoso (FHC) que, bem sucedido com o plano Real em 1994, tornou-se presidente
O novo ministro da Economia, Sergio Massa, deve anunciar logo após a posse um plano para estabilizar a economia e tentar salvar o governo argentino.
“Estamos numa aposta de tudo ou nada. É muito difícil pensar no que este governo poderia fazer se isto não funcionar. Teríamos de pensar em consequências institucionais. Poderia vir o fim do governo ou uma espiralização da situação econômica com uma inflação que supere com folga os 100% anuais. Por isso, o governo é consciente da necessidade de um giro pragmático. A questão é até onde estão dispostos a chegar com as correções”, indica à RFI o cientista político Gustavo Marangoni, ex-presidente do segundo maior banco do país, o Banco Provincia.
Massa deve ter como prioridade fortalecer as reservas disponíveis do Banco Central argentino que atingiram um nível crítico. Basicamente, não há mais dólares no caixa. E não há forma de estabilizar a economia sem dinheiro.
Outra estratégia para gastar menos é diminuir os subsídios à energia elétrica e ao gás. As tarifas na Argentina são extremamente baixas porque estão subsidiadas. Esses subsídios chegam a 2,4% do PIB.
A redução do déficit fiscal primário, o aumento das reservas do Banco Central e o controle sobre a emissão monetária são os três principais eixos do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), fechado em março. Esse acordo estabelece que o déficit fiscal não pode superar os 2,5% do PIB, mas atualmente está entre 3,5% e 4%. Todas essas variáveis desajustadas pressionam por uma desvalorização do peso argentino.
“O ministro sinaliza que o seu objetivo imediato é a estabilização da economia. Para estabilizar, terá de atacar esses pontos de maneira muito decidida. O mercado vai olhar muito atentamente para as medidas para ver se são cosméticas ou se são efetivas, e também como serão implementadas”, aponta Gustavo Marangoni, também diretor da consultoria M&R Asociados.
Ajuda internacional
Na terceira semana de agosto, o novo ministro Sergio Massa fará uma viagem ao exterior atrás de financiamentos. Além de se reunir em Washington com as autoridades do Tesouro norte-americano e do FMI, Massa vai tentar seduzir investidores em Nova Iorque. Na sequência, irá à França para se reunir com o Clube de Paris e, depois, segue em direção ao Catar atrás de fundos de investimento.
“Tudo indica que Sergio Massa pode acalmar os mercados num primeiro momento, mas a situação é muito complexa. Qual é a verdadeira capacidade de Sergio Massa diminuir o Estado? Vai reduzir os planos sociais? E qual dessas iniciativas Cristina Kirchner realmente deixará que ele faça? Que confiança este governo pode gerar nos investidores estrangeiros? De repente, mudou a confiança do mundo neste governo? Sergio Massa pode até ter capacidade para controlar a partida, mas não para virar o jogo”, explica à RFI o analista político Jorge Giacobbe, uma referência no país.
“É um desafio muito difícil. Não podemos subestimar a magnitude dos problemas da Argentina. Sergio Massa não está condenado ao fracasso, mas não será fácil”, concorda Gustavo Marangoni.
Sem disponibilidade de camicases
Um dos maiores exemplos da gravidade da situação foi a dificuldade de Sergio Massa para conseguir nomes de peso na equipe econômica. O novo ministro é um político formado em direito e precisa de economistas reconhecidos pelos mercados, mas, até agora, ninguém de peso aceitou o desafio.
“Ninguém quer meter o dedo na corrente elétrica. Veem que a situação é muito complexa e que há mais chances de fracasso do que de sucesso”, interpreta Giacobbe.
Sem reservas no Banco Central, sem acesso ao crédito internacional e com dificuldades de conseguir empréstimos internamente, o governo tem emitido moeda sem respaldo, alimentando a inflação e a pressão por uma desvalorização do peso argentino.
As projeções de inflação neste ano já estão próximas de 100% e uma desvalorização da moeda aceleraria esse processo inflacionário.
Novo equilíbrio de poder
Para o analista Jorge Giacobbe, a partir desta quarta-feira, começa uma nova fase do governo no qual o presidente Alberto Fernández será apenas um figurante dentro do seu próprio governo, agora sob intervenção.
“Estamos diante de uma nova fase do mesmo governo com ‘três presidentes’. Um presidente decorativo (Alberto Fernández), um presidente da Economia (Sergio Massa) e uma presidente, dona dos votos (Cristina Kirchner). Massa é o gestor da crise. Cristina Kirchner, a auditora com poder de veto”, sintetiza Jorge Giacobbe.
Já o analista Gustavo Marangoni interpreta que começa um novo governo no qual Alberto Fernández é quem vai assinar as decisões de Sergio Massa e de Cristina Kirchner.
“Não tenho a menor dúvida de que estamos diante de um novo governo. Temos um mini presidente (Alberto Fernández), um superministro (Sergio Massa) e uma maxi vice presidente (Cristina Kirchner). É um novo ponto de equilíbrio do poder no qual Massa é o protagonista e Cristina Kirchner veta ou permite”, observa Marangoni.
O poder de Cristina Kirchner de vetar ou de permitir tende a provocar tensões na coalizão de governo. “Ao contrário de Alberto Fernández, Sergio Massa é muito mais ameaçador e perigoso. A Argentina precisa de um forte ajuste fiscal, mas nesse ponto entram as limitações da coalizão de governo. Massa pode ser audaz nesse ponto, mas quanto ajuste Cristina Kirchner vai permitir?”, pergunta-se Marangoni, reproduzindo a mesma dúvida dos mercados.
FHC em 1994 ou Domingo Cavallo em 2001
O plano do novo ministro é superar a crise e usar o ministério da Economia como plataforma para se lançar candidato a presidente no ano que vem. Já o plano de Cristina Kirchner é desgastar Sergio Massa, assim como fez com Alberto Fernández, livrando-se de um concorrente eleitoral.
A imagem negativa de Sergio Massa chega a 68,1% enquanto a imagem positiva fica em 9,1%, segundo a mais recente sondagem da consultora Giacobbe y Asociados. A única chance que Massa tem de inverter esses números é se mostrar como um bom gestor, capaz de tirar o país de uma crise que pode lhe ser fatal.
Os assessores de Sergio Massa se espelham na figura do ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, quando ministro da Economia do presidente Itamar Franco. Graças ao sucesso do plano Real que eliminou uma inflação galopante, FHC ganhou as eleições de 1994.
Porém, a realidade pode ser bem diferente. Na Argentina, os analistas veem outro exemplo bem mais parecido: o do ex-ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, convocado pelo presidente Fernando De La Rúa, em março de 2001, para salvar o governo da crise. Mesmo com prestígio nos mercados e na sociedade, Cavallo não conseguiu domar a crise. Ele renunciou em dezembro de 2001, levando à queda de Fernando De La Rúa.
Reservará a história para Sergio Massa o exemplo bem-sucedido de Fernando Henrique Cardoso ou o desastre de Domingo Cavallo? “Havia uma confiança coletiva em que Cavallo poderia salvar a situação. Com 70% de imagem negativa, o ponto de partida de Massa é o inverso. A única forma que Massa tem de recompor o vínculo com a sociedade é se conseguir um milagre. Entre Fernando Henrique Cardoso e Domingo Cavallo, Sergio Massa está mais próximo de Cavallo”, compara Gustavo Marangoni.
“FHC tinha prestígio. Domingo Cavallo tinha tido sucesso antes. Sergio Massa nem teve sucesso antes nem tem prestígio agora”, avalia Jorge Giacobbe.
Fonte: rfi.fr/br