Mato Grosso tem 200 comunidades terapêuticas, destas apenas 11 estão regularmente documentadas. O número corresponde a 5% do total. A informação é do presidente da Federação Mato-grossense das Comunidades Terapêuticas, Alonso Alcântara Moura. O trabalho nestes locais, que ocorre muito mais por amor, esbarra na burocracia e na falta de apoio do Poder Público. Para abrigar os dependentes químicos, grande parte das comunidades sobrevive de doações ou até mesmo de recursos que saem do próprio bolso dos proprietários.
“Essas pessoas que cuidam de comunidades terapêuticas não têm o dinheiro nem para alimentação, imagina para a regularização. Precisamos desses incentivos, de condições para cuidar dessas pessoas.”
Tratar o usuário de drogas não é prioridade para o ente público, ressalta Alonso. O presidente enfatiza que se fosse, os gastos com segurança pública, judiciário e outros seriam reduzidos. Roubos, furtos, violência doméstica, entre outros crimes cometidos quando a pessoa está sob efeito de drogas ou mesmo para usar, cairiam.
Só no sistema prisional a pessoa custa R$ 3 mil, fora os gastos que se tem movimentando a polícia, o judiciário e outros. Sendo que se investisse antes de ser presa, seriam R$ 1,8 mil numa comunidade terapêutica, dando condições de reinserção.
Alonso com a esposa Neusa Vieira Lima Moura decidiram transformar a pousada, que recebia cerca de 30 famílias por fim de semana, na comunidade terapêutica Paraíso. Localizada na estrada de Manso, a comunidade, de 330 hectares, há 18 anos presta serviço às pessoas esquecidas pela sociedade e poder público.
No local, os internos exercem laborterapia, participam de cursos, palestras e espiritualidade. Trabalhamos o crescimento pessoal, mudança de vida e reinserção social. O poder público precisa olhar para as comunidades terapêuticas, principalmente para o sofrimento do usuário e das famílias, ressalta Neusa Moura.
Da luta para sobreviver veio a força para ajudar
Foram 17 internações no Adauto Botelho, 3 no Hospital Psiquiátrico Paulo de Tarso, e outras que faziam de Raimundo Egídio da Silva Assis um caso perdido. Dezesseis anos no álcool e nas drogas, agora 26 anos lutando diariamente contra o vício. Uma das lutas, consolidadas através do trabalho de salvar vidas, como a dele foi salva. Em 17 de outubro de 2013, o agora pastor, fundou com a esposa Maria José Carvalho de Assis a comunidade terapêutica Tenda de Abraão, no bairro Barreiro Branco, em Cuiabá. Recebe mais de 150 pessoas, com locais específicos destinados para homens e mulheres.
De família tradicional, Raimundo conheceu as drogas ainda quando estudante. Chegou a se divorciar da esposa Maria por conta dos vícios. O pastor diz que tentou suicídio por várias vezes e achava que não tinha mais jeito. Foi, com ajuda da família, internado em uma unidade terapêutica no estado de São Paulo. Recuperado, viu que podia ajudar e assim nasceu a Tenda de Abraão.
O local conta com psicóloga, nutricionista, assistente social, cursos, palestras, momentos de espiritualidade, laborterapia, dentre outros serviços. A droga não escolhe idade, raça, cor ou condição social. Resolvi trabalhar com pessoas com a mesma problemática para dar sequência também ao meu tratamento. A luta contra as drogas é diária.
Uma vida de perdas e superação
Foi aos 23 anos que Luiz Carlos da Costa, hoje com 49, conheceu as drogas. Ele, que por mais de duas décadas ficou refém dos vícios, há 4 anos começou a construir uma nova história. No entanto, para chegar a esta nova oportunidade, perdeu dois irmãos, um assassinado por drogas e outro por beber tanto. Outros dois estão presos, também por envolvimento com entorpecentes. Foi Luiz Carlos quem apresentou a droga aos irmãos.
Na casa dele, em Várzea Grande, funcionava uma boca de fumo e era impossível sair do ciclo. Luiz recebia várias propostas de ajuda, mas rejeitava, sentia-se amarrado ao vício. Mesmo tendo casa, preferia morar na rua, perdeu casamento, não acompanhou o crescimento do filho. Ele conta que eram 7 corotes por dia e por causa do vício chegou a pesar 49 quilos.
Num dia cedo, decidi pedir ajuda para um vizinho do nada. Ele me mandou entrar no carro e me levou para a comunidade terapêutica. O início foi difícil, queria ir embora. Hoje eu construí uma nova vida, estou casado e tenho prazer de ajudar as pessoas que passam pelo mesmo que passei.
Alberto Garcia Júnior, 37, é gerente numa comunidade terapêutica e ajuda na recuperação dos usuários de droga. Mas não foi sempre assim. Precisou ser resgatado embaixo do viaduto da rodoviária de Cuiabá, onde morou por anos. Foi em Curitiba (PR) que conheceu as drogas, perdeu o casamento e decidiu sumir no mundo e não dar sequer notícias para a família.
Ficou vagando pelo Brasil, até voltar para Cuiabá. Mas o vício o acompanhou por 18 anos. Foi de tanta insistência que Alberto decidiu o tratamento. Livre há 6 anos das drogas, está casado e trabalha na obra. Muitas pessoas pensam que não tem jeito, mas tem sim, complementa.
Conselho não tem busca por cadastros
O Conselho Estadual de Política sobre Drogas (Conesd), instituído em Mato Grosso pela Lei Estadual nº 10.190/2014, integra o Sistema Estadual de Políticas sobre Drogas. O Conselho cadastra entidades, programas e projetos. Porém, conforme Lenice Silva dos Santos Barbosa, secretária executiva do Conesd, desde 2020 nenhuma entidade buscou se cadastrar.
Os órgãos públicos e privados não exigem o cadastro no conselho para o recebimento de valores pelas entidades, especialmente após o advento da Lei Federal nº 13840/2019 que regula o funcionamento das mesmas, ou seja, não há nenhuma entidade com cadastro regular junto ao conselho.
Lenice enfatiza que o Conselho não é órgão de fiscalização, competindo à Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas e a Vigilância Sanitária as medidas relacionadas às comunidades terapêuticas.
Fonte: gazetadigital.com.br