A articulação para uma chapa na eleição de 2022 ao Palácio do Planalto liderada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, tendo como vice o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que acabou de sair do PSDB, deu um passo importante neste domingo (19/12) em um jantar que reuniu ambos e outros líderes partidários.
A costura para unir os dois ex-adversários veio à tona no início de novembro, e no domingo os dois conversaram em frente às câmeras e posaram para imagens se cumprimentando. Lula discursou e disse que os confrontos anteriores entre ele e Alckmin estavam no passado: “Não importa se no passado fomos adversários, se trocamos algumas botinadas, se no calor da hora dissemos o que não deveríamos ter dito. O tamanho do desafio que temos pela frente faz de cada um de nós um aliado de primeira hora.”
Alckmin, por sua vez, afirmou que o processo “ainda está começando”, mas que “é hora de grandeza política, é hora de união”. O ex-governador deixou o PSDB na última quarta-feira, após 33 anos no partido, hoje controlado pelo governador paulista João Doria – que foi apadrinhado por Alckmin para se eleger prefeito da capital paulista, mas depois se virou contra ele, afastou tucanos históricos do partido e é o pré-candidato da legenda ao Planalto.
Alckmin ainda não se filiou a um novo partido. As negociações para a eventual chapa em que ele seria vice de Lula envolvem o PSB e o PSD e a definição de outras candidaturas, como a dos governos paulista e mineiro e ao Senado por São Paulo, e os espaços que seriam ocupados no governo em caso de vitória – conversas que devem avançar no próximo ano. Lula atualmente lidera as pesquisas com expressiva vantagem sobre o presidente Jair Bolsonaro
A DW Brasil conversou com dois cientistas políticos para explicar o que envolve essa possível união entre os ex-adversários.
O que Lula ganharia?
O cientista político Henrique Carlos de O. de Castro, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) e coordenador da Pesquisa Mundial de Valores (World Values Survey) no Brasil, afirma que o maior interesse de Lula em ter Alckmin como vice é reduzir a rejeição ao seu nome em setores mais conservadores, da mesma forma como o petista fez em 2002 ao escolher como vice o empresário José Alencar.
“Uma das maiores dificuldades de uma candidatura de Lula à presidência é a resistência que ele tem, muitas vezes infundada, pela imagem de ser de esquerda e até de ser comunista. Ele está longe de ser um comunista e é de uma esquerda muito moderada, não representa o perigo que alguns setores constroem sobre seu nome – mas construir o medo do adversário é uma das formas mais primitivas e eficazes de fazer política”, afirma
“Ao se aproximar de um candidato conhecidamente conservador – o Alckmin sequer era das figuras mais avançadas do PSDB – ele quer ‘limpar’ a sua imagem. Eleitoralmente, Alckmin não traz em si muitos votos, mas sim uma possibilidade de aceitação em setores mais conservadores da sociedade brasileira, que são a grande maioria dos brasileiros”, diz.
Castro afirma que Lula teria ainda que dobrar a resistência entre petistas ao nome de Alckmin, o que, segundo ele, não será difícil: “O seu eleitorado o tem quase como fãs, ele é uma liderança em certa medida caudilhesca e vai conseguir resolver o problema dessa resistência.”
Lucio Rennó, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), também destaca a aderência que uma eventual chapa Lula-Alckmin teria em camadas mais conservadoras da população.
“O Alckmin agrega e consolida um apoio da centro-direita (…) Lula pode até perder algum apoio do eleitor mais à esquerda, mas o saldo é positivo. Nenhum desses eleitores à esquerda irá correr o risco de ver uma derrota do Lula para Bolsonaro ou [Sergio] Moro. Ele pode perder um pouco da convicção, vira um voto estratégico”, diz.
O que Alckmin ganharia?
Enquanto Lula obteria a imagem de moderação para sua candidatura, Alckmin ganharia projeção e influência política se for eleito vice-presidente e poderia se gabaritar para novos mandatos eletivos, diz Castro.
“O que movimenta a política brasileira é eleição, e Alckmin ganha a possibilidade de ser candidato a vice-presidente numa chapa com condições de ser eleita. Ele pode vir a ser vice-presidente, e isso vai implicar em apoio político e recursos do governo federal para seu grupo político, e quem sabe alçar novos voos no futuro. Ele ganha visibilidade eleitoral e consegue fazer o que nunca conseguiu: chegar à presidência da República, mesmo como vice, e eventualmente assumir a presidência”, diz
Rennó afirma que, caso essa chapa se confirme e seja eleita, Alckmin poderia se credenciar a se tornar uma “liderança nacional”. E, durante o eventual governo, ganharia poder na forma da ocupação de cargos, influência sobre políticas públicas e definição do Orçamento.
Como repercutiria na campanha de Bolsonaro?
Para Rennó, uma chapa Lula-Alckmin não teria potencial de atrair eleitores que já decidiram votar em Bolsonaro, mas pode trazer o apoio de líderes políticos importantes que ainda estão avaliando o cenário e podem sentir que vale a pena apostar num caminho de “centro mais moderado” e recusar o apoio à campanha de reeleição do presidente.
Já Castro afirma que uma eventual união entre Lula e Alckmin poderia ter reflexos no conteúdo da campanha bolsonarista e reforçar o discurso de raiva e de ódio. “Provavelmente o discurso de ódio terá que ser ampliado. Vão dizer que o fantasma do comunismo está se tornando mais forte e chegando a nomes que eram do PSDB. Vão tentar mostrar que o suposto comunismo do PT está tomando conta de toda a sociedade”, diz.
Qual seria o impacto para os candidatos alternativos?
A eventual união entre o petista e o ex-tucano é um “mau sinal” para nomes que tentam se apresentar como alternativas a Lula e a Bolsonaro, como Moro (Podemos), Doria (PSDB) e Ciro Gomes (PDT), diz Rennó. “Reduz ainda mais o espaço que esse grupo tem, que já era pequeno. Eles já estavam obrigados a transitar num espaço restrito, e com uma chapa de centro-esquerda caminhando para a centro-direita, ficará ainda mais reduzido”, afirma.
Como Alckmin na vice influenciaria um novo governo Lula?
Rennó, da UnB, afirma que a eventual vitória de uma chapa Lula-Alckmin daria ao grupo do ex-governador uma participação ativa no governo e na divisão de ministérios, mas cujo desenho só ficaria claro mais para frente.
Castro, da UFGRS, ressalta que o papel do ex-governador num eventual novo governo Lula dependeria dos acordos pré-eleitorais, do desempenho da chapa e da eventual adesão de setores conservadores, especialmente se houver segundo turno. “A correlação de forças é que vai dizer”, afirma.
“Outra coisa que seria importante é a proatividade de Alckmin na articulação do eventual futuro governo. Alckmin trabalha mal como candidato em nível nacional, sua rejeição fora de São Paulo é impressionante, mas nos bastidores ele é um grande articulador”, diz Castro.
Fonte: dw.com