A eleição do ex-presidente Donald Trump à Casa Branca veio acompanhada do que deve se confirmar como um domínio republicano também nas cadeiras do Congresso americano. O cenário, segundo analistas, aumenta o poder do futuro presidente, que também já detém uma maioria de indicados na Suprema Corte, e engrossa a força do movimento Make America Great Again, apelidado de Maga.
“Este dia será lembrado para sempre como o dia em que o povo americano retomou o controle”, disse Trump em seu discurso de vitória na madrugada do dia 6 de novembro, quando a imprensa já projetava que seus correligionários teriam maioria no Senado.
Cinco dias depois, o avanço do partido de Trump no Congresso ficou ainda mais expressivo. Os republicanos terão ao menos 53 cadeiras no Senado, contra 46 dos democratas. Apenas uma vaga segue em disputa, com votos ainda sendo contabilizados no estado do Arizona.
Na Câmara dos Representantes, o cenário deve se consolidar da mesma forma. Até o momento, os republicanos já asseguraram 214 cadeiras das 218 necessárias para se atingir maioria – 18 vagas ainda estão sendo contabilizadas.
“A grande diferença em relação à vitória de Trump nas eleições de 2016 é que ele está mais bem preparado desta vez”, diz Stormy-Annika Mildner, diretora do think tank independente Aspen Institute Germany. “Trump aprendeu que pode ser problemático para ele se não tiver uma equipe leal”, afirma.
Com isso, ela acredita que o novo presidente fará uma extensa substituição de pessoas em ministérios e em cargos de poder no Executivo e no Judiciário, como forma de contornar resistências não apenas no Congresso, mas também na administração federal e nos tribunais.
Não à toa, no último domingo (10/11) Trump afirmou que “qualquer senador republicano que busque cargo de liderança no Senado” deve estar de acordo com as chamadas “nomeações em recesso”.
Trata-se de uma manobra nas regras da Casa que permite ao presidente nomear qualquer pessoa para um cargo público sem precisar de autorização do Senado. A ideia é ter uma carta branca para contornar a Constituição, que obriga o carimbo dos senadores em indicações a posições sensíveis, como no caso de juízes da Suprema Corte.
Agenda sofisticada
Mildner acredita que o chamado Projeto 2025 vai desempenhar um papel importante na administração de Trump. O documento foi desenvolvido pelo think tank conservador Heritage Foundation e desenha um manual de políticas para os primeiros 180 dias de governo. Elas incluem, por exemplo, deportações em massa, construção de muralhas na fronteira, ações contra o aborto, e políticas que considerem uma “definição de casamento e família baseada na Bíblia”.
O texto também propõe estratégias para garantir que todos os braços da administração pública sejam dominados por nomes ligados ao movimento conservador.
Apesar de a campanha de Trump ter feito esforços para desvencilhar o republicano do texto, o jornal The New York Times mostrou que diversos partidários do Maga estavam envolvidos na produção do documento. Na transição de governo, é esperado que eles assumam posições influentes.
Além disso, Trump adotou agendas similares às do Projeto 2025 durante sua campanha eleitoral, como as propostas para política migratória e proteção de fronteiras. Trump prometeu, por exemplo, a “maior operação de deportação da história americana”. Ele também quer aumentar significativamente a exploração de combustíveis fósseis prejudiciais ao clima.
A reorganização do governo começa com as autoridades
As autoridades federais – como a Agência de Proteção Ambiental (EPA) – são uma alavanca para a implementação de tais planos. O capítulo de 32 páginas sobre a EPA descrito no Projeto 2025 foi escrito por Mandy Gunasekara, que foi chefe de gabinete da agência durante a primeira presidência de Trump e que deve ser reconduzida ao cargo no ano que vem. Naquela época, os poderes da EPA foram reduzidos e funcionários foram demitidos – o que foi amplamente revertido pelo governo Biden. Segundo o The New York Times, Gunasekara defende que, no segundo mandato de Trump, as estruturas da agência serão “demolidas e reconstruídas”.
Para a analista Stormy-Annika Mildner, Trump pode usar a estratégia de enfraquecer órgãos para promulgar regulamentações de longo alcance, como as relacionadas à extração de combustíveis fósseis. “Você pode usar agências que fazem parte do Poder Executivo, como a Agência de Proteção Ambiental, para regulamentar o interesse público. Ou você pode fechá-las dando a elas chefes que simplesmente digam: ‘Não vamos mais fazer nada a respeito disso'”.
Outra nomeação que será chave para a agenda de Trump é a chefia do Departamento de Justiça, que o republicano já declarou querer usar para processar judicialmente os adversários políticos. A emissora pública NPR contabilizou mais de 100 ameaças desse tipo feitas por ele durante a campanha eleitoral.
Pessoas com a mesma opinião em vez de contrapesos no Judiciário
Não são apenas os gabinetes dos promotores públicos que devem ser politizados. Após uma pausa de quatro anos, o movimento Maga agora também quer ter liberdade para nomear conservadores para cargos de juízes federais, que precisam ser referendados por maioria simples no Senado, agora dominado pelos republicanos.
Como o partido terá maioria na Casa pelo menos até as eleições de meio de mandato, em 2026, o ex-presidente deve refazer o caminho que fez em sua primeira gestão, quando nomeou 234 juízes federais. Três deles assumiram cargos na Suprema Corte, o que criou uma maioria conservadora no tribunal máximo do país.
A expectativa é que alguns desses juízes se aposentem antes da hora, o que abriria a possibilidade do republicano reformular a corte e garantir uma maioria de seu interesse por mais tempo.
A agência de notícias Reuters cita o professor de direito John Collins, da Universidade George Washington: “Em seu primeiro mandato, Trump reformulou o judiciário federal. Agora ele tem a oportunidade de consolidar essa visão para toda uma geração”, afirmou.
Para Mildner, diretors do Aspen Institute, os republicanos desejam lançar mão de uma grande reorganização do estado dentro das diretrizes fornecidas pela Constituição, evitando mexer no texto constitucional para evitar embargos legais no futuro.
Os freios e contrapesos permanecem
Mesmo que a Casa Branca, o Congresso e a Suprema Corte sejam todos conservadores, Mildner acredita que outras instituições, como a imprensa e as organizações da sociedade civil, cumprirão seu papel de freios e contrapesos. Os estados governados por democratas também estão se preparando para batalhas políticas. A governadora de Nova York, Kathy Hochul, por exemplo, disse que lutará “contra todos os passos” de Trump caso ele tente prejudicar os nova-iorquinos.
“É por isso que eu não diria de forma alguma que este é o fim da democracia americana”, defende Mildner. No entanto, a divisão entre os dois campos não será superada com Trump. “Esses quatro anos contribuirão para uma maior polarização.”
Fonte: dw.com