Grão foi tema de polêmica na semana, após executivo da Danone dizer que a multinacional francesa não compra mais a soja nacional; depois, empresa negou. Produtores, indústria e ambientalistas destacam que a produção segue regras de sustentabilidade
A soja brasileira foi assunto nesta semana, depois de uma fala do diretor financeiro global da Danone repercutir negativamente entre o governo brasileiro e os agricultores do país.
Juergen Esser disse à agência Reuters que a gigante de laticínios tinha deixado de importar soja brasileira.
Sem explicar motivos, ele afirmou que a multinacional francesa estava importando soja da Ásia e acrescentou: “Nós realmente temos um rastreamento muito completo, então garantimos que levamos apenas ingredientes sustentáveis do nosso lado”, de acordo com a reportagem.
O Ministério da Agricultura e produtores de soja repudiaram as falas, defendendo a produção brasileira, a maior do mundo.
Sem explicar a fala de Esser, a Danone Brasil e a presidente da Danone América Latina disseram que a divulgação tinha “informações incorretas” e que os países onde a empresa está continuam comprando soja nacional.
Tudo aconteceu às vésperas de entrar em vigor a lei da União Europeia que proibirá a importação de produtos vindos de áreas que foram desmatadas depois de dezembro de 2020.
Conhecida como European Union Deforestation Regulation (EUDR), ela começa a valer no próximo dia 30 de dezembro, mas pode ser adiada em 1 ano.
Afinal, a soja produzida no Brasil poderá ser vendida para União Europeia quando a regra começar? A lei prejudica o comércio com a UE? A produção brasileira segue padrões de sustentabilidade?
A imprensa ouviu associações de produtores e da indústria da soja, que têm participado de discussões com a Europa sobre a nova regra, e também ambientalistas. Eles destacaram os seguintes pontos:
a lei europeia mira apenas produtos que vêm de floresta, o que abrange somente a soja da Amazônia e de parte do Cerrado, onde existe pouca produção em áreas de desmatamento, segundo Bernardo Pires, diretor de sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
na Amazônia, por exemplo, existe um acordo para que empresas de exportação não comprem soja de área que tenha sido desmatada a partir de 2008, chamado Moratória da Soja. Por causa dele, o Brasil tem, hoje, ferramentas para rastrear o grão e atender ao mercado europeu, diz Cristiane Mazzetti, coordenadora da frente de florestas do Greenpeace Brasil; mas a associação dos produtores (Aprosoja) alertou, em julho, sobre incertezas com relação ao sistema de checagem e auditagem que seria implementado pelos europeus e a preocupação de que os custos e riscos para o cumprimento da norma “gerem lentidão ou queda no comércio, ou pior, redução no preço pago ao produtor”; o fato de a lei europeia não diferenciar desmatamento ilegal do legal (previsto no Código Florestal brasileiro) também é um ponto de atenção, diz Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Não existe uma Moratória da Soja para o Cerrado, onde está a maior parte da área plantada de soja no Brasil; ela é defendida por ambientalistas.
De onde vem a soja?
Pires, da Abiove, explica que, dos 87 milhões de hectares do território brasileiro (cerca de 10%) usados na agricultura, “quase metade é soja (46 milhões de hectares)”. Um hectare é igual a 10.000 metros quadrados, pouco mais do que um campo de futebol.
Segundo ele, a produção do grão se divide assim:
50% (23 milhões de hectares) no Cerrado;
24% (11 milhões) na Mata Atlântica;
16% (7,4 milhões) na Amazônia;
10% (4,5 milhões) nos Pampas, que ficam na Região Sul.
Ainda de acordo com Pires, a soja plantada no Brasil em área de desmatamento, depois de dezembro de 2020 – período que é enquadrado na lei europeia —, corresponde a pequenos percentuais de toda a área desse cultivo:
0,4% da soja na Amazônia;
0,8% da soja no Cerrado.
Essas seriam as áreas cujo produto seria vetado pela UE, quando a lei entrar em vigor. Os dados acima são de um levantamento encomendado pela Abiove à Agrosatélite Tecnologia – empresa comprada pela Serasa Experian em 2023. Ela atua na Moratória da Soja, que regula a produção na Amazônia.
“Hoje o impacto (da nova lei europeia na exportação de soja para a UE) seria relativamente pequeno”, diz Pires. “Então, não é justo classificar o Brasil inteiro como um país de alto risco para soja, como eles (europeus) vêm afirmando há muito tempo.”
A Moratória da Soja e a Amazônia
O que é? A Moratória da Soja é um acordo voluntário firmado em 2006 entre ONGs, empresas e associações do agro, no qual as tradings – responsáveis pela exportação e importação – se comprometem a não comprar soja de áreas que tenham sido desmatadas de 2008 em diante, na Amazônia. Ou seja, ainda antes do período enquadrado na lei europeia, que é depois de 2020.
O acordo conta com a participação da Abiove, da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), além de organizações ambientais como o Greenpeace, WWF e Imaflora.
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Ele levou a uma redução da produção de soja em áreas desmatadas, diz Pires, apesar de o cultivo na Amazônia ter aumentado de lá para cá.
“A Moratória provocou uma expansão do plantio para terras desmatadas antes de 2008”, explica o diretor da Abiove. “Na Amazônia, 97% da produção de soja está em áreas abertas antes desse período.”
“Na época em que o acordo foi feito, em 2006, tinha 1,4 milhão de hectares (de soja plantada na Amazônia). Em 18 anos, teve um incremento de 6 milhões hectares”, diz Pires.
“Desses 6 milhões de hectares que foram incorporados os últimos 18 anos, apenas 250.000 hectares foram em cima de desmatamento da floresta, de acordo com monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)”, completa.
Mesmo assim, diz Pires, a área plantada é pequena: “98% da Amazônia não tem soja (…) Isso o Macron também não sabia quando fez aquele discurso”.
Em 2021, o então presidente da França, Emanuel Macron, postou em suas redes sociais que “continuar dependendo da soja brasileira é endossar o desmatamento da Amazônia”. Ele não apresentou dados que sustentassem a afirmação. “Nós precisamos da soja brasileira para viver? Então nós vamos produzir soja europeia ou equivalente”, completou.
Fonte: copopular.com.br