Indígenas na região oeste de Mato Grosso devem reduzir para menos da metade o cultivo de soja nas áreas agricultáveis do território nesta safra. O alto custo de produção, a desvalorização do grão no mercado, além da exigência de cultivares convencionais na terra, são algumas das principais motivações para o desestímulo.
A agricultura de larga escala foi introduzida nas terras indígenas localizadas em Campo Novo do Parecis há quase duas décadas, onde os povos Pareci, Nambikwara e Manoki produzem juntos aproximadamente 20 mil hectares entre soja, milho, feijão e outros grãos. Iniciativa que, segundo eles, ajudou a melhorar a qualidade de vida das aldeias beneficiadas pela atividade.
“Como algo interessante para se morar, para se viver aqui dentro, além da questão do trabalho, também gera renda para nós. É uma terra que é demarcada para o índio tirar o seu sustento, desenvolver e sobreviver. É claro que não só de caça e pesca. Hoje os tempos mudaram e precisamos desenvolver atividades econômicas e a agricultura é uma delas”, pontua o presidente da Coopihanama, Arnaldo Zunizakae.
Segundo o presidente da Coopihanama, todo o trabalho feito com responsabilidade e conhecimento mostra que é possível o desenvolvimento da produção agrícola.
“Através da nossa cooperativa, hoje somos produtores rurais. Só tenho a agradecer aos produtores rurais. Graças a eles a gente aprendeu e conseguiu abrir essas terras em que hoje estamos trabalhando”, frisa Arnaldo Zunizakae ao Canal Rural Mato Grosso.
Luta que virou referência no Brasil
O cacique Ronaldo Zokezomaiake frisa que “foi uma luta pela sobrevivência” a decisão em iniciar a atividade agrícola, pois “ou nós buscavamos um meio de desenvolver o nosso alimento em grande escala ou então iríamos entrar em decadência”.
“Hoje nós temos esse projeto que garante a nossa sustentabilidade e que é espelho, se tornou referência, para muitos povos indígenas do Brasil”.
Ronaldo Zokezomaiake conta à reportagem que já receberam lideranças indígenas do Sul do país que foram conhecer de perto a produção e o trabalho desenvolvido por eles. Ainda conforme ele, hoje já é possível, inclusive, ver lavouras mecanizadas em Roraima e no Maranhão.
“São vários povos buscando [informações e conhecimento], porque sabem que é possível fazer dar certo e que você consegue a sua autonomia e independência econômica através do seu produto”.
Demora no licenciamento ambiental
A dificuldade de acesso ao crédito, aliada ao clima adverso, a desvalorização do grão e a exigência de cultivares convencionais, salienta Arnaldo Zunizakae, pode reduzir a quantidade de soja nesta temporada dentro das áreas agricultáveis.
“Nós plantamos 20 mil hectares e esse ano, até por questão de preço, do alto custo da soja, vamos plantar no máximo sete mil hectares de soja. Hoje, para eu plantar aqui gasto em torno de 40 sacas por hectare. Eu poderia estar trabalhando com 27, 30, 32 sacas no máximo se eu tivesse acesso a essa semente geneticamente modificada. A gente gasta muito mais produtos para controlar o mato, controlar doença”.
As terras indígenas somam mais de 1,1 milhão de hectares, dos quais menos de 2% são destinados à agricultura. São empregados quase 300 trabalhadores diretos e indiretos, sendo 95% deles indígenas.
De acordo com o presidente da Coopihanama, Arnaldo Zunizakae, desde 2013 estão com processo no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a liberação do licenciamento ambiental da área, considerado o grande entrave para garantir a legalização e a viabilidade econômica da atividade.
“Já realizamos estudos, fizemos alguns itens que eles questionaram e agora está novamente parado no Ibama que impede a liberação, ou seja, a regulamentação da nossa área. Com isso temos outras dificuldades, como por exemplo o acesso ao crédito”.
O presidente da Coopihanama conta que em 2024 conseguiram se inscrever no Plano Safra. Contudo, um detalhe fez com que eles perdessem o recurso.
“Estávamos com um projeto de R$ 150 milhões para custear a nossa safra e esse dinheiro só não saiu por questão de garantia do penhor da safra, documento que a presidência da Funai teria que ter feito através de uma portaria nomeando um servidor dela para assinar o penhor da safra e isso infelizmente está em Brasília parado. O banco estava apenas esperando, exigindo isso para liberar o crédito. Agora estamos aqui concluindo o plantio, sem recurso público e pagando juro alto para poder plantar”.
Para Ronaldo Zokezomaiake é preciso “haver uma conscientização das nossas autoridades para que a gente possa também ser competitivo dentro do mercado de produção”.
“Está na hora de nós tratarmos essa questão da agricultura indígena com mais seriedade”, completa Arnaldo Zunizakae.
A produção do Canal Rural Mato Grosso entrou em contato com a assessoria do Ibama quanto a questão do licenciamento ambiental nas terras indígenas em Campo Novo do Parecis, mas até o fechamento desta reportagem não obteve retorno.
Fonte: matogrosso.canalrural.com.br