“Yahya Sinwar está morto. Os soldados das Forças de Defesa de Israel [IDF] o mataram em Rafah [na Faixa de Gaza]”, anunciou nesta quinta-feira (17/10) o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em seguida à divulgação de um vídeo feito por um drone das IDF, supostamente mostrando os últimos momentos do líder do Hamas.
Dirigindo-se aos habitantes de Gaza, o israelense propôs: “Esta guerra pode se acabar amanhã, se o Hamas depuser as armas e devolver os nossos reféns.” Pouco depois, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, ligou para o presidente israelense, Isaac Herzog, para felicitá-lo.
“Na chamada, [Blinken] ressaltou que se fizera justiça e que o mundo agora é um lugar melhor, sem um homem responsável pela morte de muitos civis e que tem obstruído o processo de paz na região”, informou o gabinete presidencial em Tel Aviv.
Pouco antes, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e sua vice e candidata democrata à presidência, Kamal Harris, haviam concordado que a morte do fundamentalista islâmico poderia abrir a porta para o fim da guerra Israel-Hamas.
“Deflagração psicológica” para o Hamas
Diversos analistas concordam que esse assassinato é um golpe incisivo para o movimento jihadista palestino – já debilitado por um ano de guerra na Faixa de Gaza –, sendo capaz suscitar a retomada das negociações pela libertação dos sequestrados em 7 de outubro de 2023.
O líder palestino era considerado o mentor desse ataque sem precedentes no sul de Israel, que deu partida a uma espiral de violência na região e ao conflito no enclave palestino. Eliminar Yahya Sinwar transformou-se num “assunto pessoal” para muitos israelenses, em particular para Netanyahu, que estabeleceu a erradicação do Hamas, classificado como uma organização terrorista pela União Europeia e pelos Estados Unidos, como seu objetivo de guerra, explica Michael Horowitz, perito da consultora de segurança Le Beck.
Sinwar foi primeiro chefe militar e depois líder político, em seguida à eliminação de Ismail Haniyeh por Israel em julho. Seu assassinato é “uma deflagração psicológica” para o movimento islamista, afirmou o francês David Khalfa, especialista na região e autor do livro Israël-Palestine, année zero, à agência de notícias AFP.
“O Hamas se viu consideravelmente abalado. A morte de Sinwar, junto com a de Mohammed Deif [chefe do braço armado do Hamas, que Israel alega ter matado em julho] representa uma acumulação de reveses.”
Porém isso não significa que a organização “vá desaparecer de uma hora para a outra”, ressalva: mesmo enfraquecida, ela “conseguiu reconstituir unidades, como já vimos em Jabalia [no norte de Gaza], e sua influência segue sendo muito grande na Faixa, por controlar a ajuda humanitária”.
Mais pressão sobre governo Netanyahu
A analista independente Eva Koulouriotis crê que, de qualquer modo, com esse acontecimento “virou-se uma página”: artífice da relação de sua organização com o Irã e muito focado nas questões militares, Sinwar “não era um político e não acreditava nas soluções políticas”. Portanto, o Hamas “se verá obrigado a mudar sua política, quer se trate de negociações, da guerra ou dos reféns”.
Na opinião dos especialistas consultados, a principal repercussão poderia ser uma retomada das negociações para um cessar-fogo e liberação dos reféns restantes. Iniciadas há cerca de um ano, com mediação dos Estados Unidos, Catar e Egito, devido à intransigência das partes beligerantes, essas conversações Israel-Hamas só resultaram em uma semana de trégua em novembro de 2023 e na liberação de parte dos reféns em troca de prisioneiros palestinos.
Em comunicado, o ministro do Exterior israelense, Israel Katz, afirmou que “a eliminação de Sinwar oferece a ocasião de uma liberação imediata dos reféns e abre uma via de mudança profunda em Gaza, sem o Hamas e sem o controle pelo Irã”.
À AFP, o pesquisador Elliot Abrams, pesquisador do Council on Foreign Relations (CFR), concordou que esse assassinato “pode alterar o tabuleiro” e “facilitar um acordo”. “Sinwar era considerado um dos principais obstáculos para um acordo, embora não fosse o único. Sua morte pode propiciar uma mudança de dinâmica”, se Tel Aviv “aproveitar a ocasião”, e o líder palestino for substituído “por alguém com posturas diferentes”.
Os analistas concordam, ainda, que essa morte vai aumentar a pressão sobre o governo Netanyahu: antes mesmo de ela ser anunciada, o coletivo das famílias dos reféns já saudava a “eliminação do líder do Hamas em Gaza”.
“Os familiares dos sequestrados pedem que esse avanço seja aproveitado para obter um acordo imediato que garanta seu regresso. Apelamos ao governo israelense, aos líderes mundiais e aos países mediadores para transformarem essa conquista militar numa conquista diplomática”, comentou o Bring Them Home Now na plataforma X.
Netanyahu quer “vitória total”. E depois?
Após o assassinato do inimigo, o premiê Netanyahu afirmou que “embora não seja o fim da guerra em Gaza, é o começo do fim”. Entretanto, esse é um ponto sobre o qual os analistas se mostram cautelosos.
“É uma hipótese verossímil”, reconhece Khalfa. “Mas não se deve subestimar o fanatismo de alguns aliados [de Netanyahu], que sonham em colonizar novamente o norte da Faixa de Gaza.”
Os analistas consultados pela AFP também frisam a ausência de objetivos estratégicos por parte de Israel, para além de uma “vitória total” e a recusa de dialogar com a Autoridade Palestina, dominada pelo movimento Fatah, do presidente Mahmud Abbas, e ainda mais de negociar a criação de um Estado palestino.
“Há um problema que se dá tanto em Gaza como no Líbano, que é: o que acontece agora? Quem vai governar Gaza, quem vai garantir a segurança? Caso haja um cessar-fogo, a questão se tornará mais premente”, observou Abrams, da CFR, à agência AFP
Fonte: dw.com