Por decisão da Primeira Turma de Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT23) a Associação dos Produtores Culturais de Mato Grosso (Ação Cultural) foi condenada a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 40 mil, por assédio moral generalizado no Museu de Arte Sacra de Mato Grosso (MASMT). Uma trabalhadora do local denunciou o caso 14 dias antes de tirar a própria vida.
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O TRT23 atendeu ao pedido do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) em um recurso ordinário.
Os fatos narrados pelo MPT ocorreram no Museu de Arte Sacra de Mato Grosso, gerido pela Ação Cultural, que, por sua vez, tem como presidenta e diretora geral Viviene Lozi Rodrigues, apontada como a responsável pela instalação do ambiente hostil e prejudicial à saúde mental dos trabalhadores. Rodrigues era supervisora hierárquica da museóloga Ana Lígia Campos Ramos, que denunciou a prática 14 dias antes de cometer suicídio.
No curso das investigações, diversas testemunhas foram ouvidas pelo MPT e seus depoimentos foram uníssonos em evidenciar, em relação à vítima, dois fatores que alimentavam o conteúdo das investidas assediadoras de Rodrigues: a gordofobia e a psicofobia.
Além disso, a museóloga tinha sua autoestima constantemente minada pelo menosprezo em relação ao seu trabalho; era constrangida a assinar documentos de cujo teor discordava; e, mesmo após sua saída do museu, continuava sendo pressionada para assinar e enviar relatórios.
Acórdão
A decisão do TRT foi unânime e reformou a sentença proferida anteriormente pelo Juízo da 9ª Vara do Trabalho de Cuiabá, que havia julgado improcedentes os pedidos de indenização por dano moral coletivo e de cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, por entender que as provas apresentadas pelo MPT não se revelaram suficientes para comprovar a prática de assédio.
O voto da relatora foi lido durante sessão presencial, realizada em 13 de agosto, e seguido pelos demais desembargadores.
“Conforme prova colhida, o desrespeito aos empregados não se tratou de um fato isolado, mas se repetia continuamente, conduta, a meu ver, suficiente para comprovar o assédio moral no âmbito organizacional, porquanto evidenciado que a sra.
Viviene utilizava-se de tratamento ríspido com as pessoas a ela diretamente vinculadas, agindo de forma autoritária e descortês, gerando um ambiente hostil, tenso e desarmonioso”, asseverou a desembargadora Eliney Veloso. O acórdão determinou o pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 40 mil.
Sob pena de multa, a associação também deverá cumprir uma série de obrigações para coibir a prática de assédio moral, como abster-se de fomentar condutas de ridicularização e inferiorização dos(as) trabalhadores(as); de adotar métodos abusivos e de coação para cumprimento de ordens ilegais, injustas ou antiéticas; de empregar tratamento excessivamente rigoroso e vexatório para desqualificar empregados(as) ou prestadores(as) de serviços; e de praticar discriminação em relação à aparência física e a doenças. A ré deverá, ainda, implantar ouvidoria interna para possibilitar apuração de denúncias.
Recurso
O MPT reuniu argumentos para contestar a decisão de primeiro grau, afirmando que o assédio moral ficou comprovado em Inquérito Civil (IC) e pelas diversas testemunhas ouvidas, além de áudios de Ana Lígia, de relatório médico emitido por sua psiquiatra e de investigação conduzida pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso (Secel-MT). Também foi confirmado que Rodrigues fez cobranças de trabalho a Ana Lígia após a rescisão contratual e na véspera de seu suicídio.
De acordo com o MPT, o assédio moral perpetrado por Rodrigues não ficou caracterizado por um único acontecimento.
“Era uma prática observada com o tempo e com a piora na saúde mental dos trabalhadores, pois advinha de uma violência psicológica inicial sutil que se desenvolvia progressivamente e se caracterizava como tal após insistentes e reiteradas investidas cotidianas. Essa informação é essencial para se compreender o tratamento dispensado por ela aos trabalhadores, bem como a potencial influência dessas práticas na saúde psicológica deles ao longo do tempo”, explicou o procurador do Trabalho Raphael Fabio Lins e Cavalcanti.
Cavalcanti salienta que “o trabalho prestado em condições como as que são relatadas na ação reduz o labor a um fardo pesado e psicologicamente desgastante, sujeitando o trabalhador, ante seu estresse cotidiano, a danos emocionais e doenças psicossomáticas, tais como alterações do sono, distúrbios alimentares, diminuição da libido, aumento da pressão arterial, desânimo, insegurança, entre outros, podendo acarretar quadros de pânico e de depressão, o que redundaria, em casos mais graves, em morte e suicídio”. E frisa: “O trabalho não é apenas fonte de sustento do trabalhador e de sua família, mas, também, instrumento de sua inclusão na sociedade, fazendo-o sentir-se útil e necessário à atividade econômica”.
Entenda o caso
O MPT-MT autuou, em junho de 2021, Notícia de Fato (NF) após o recebimento de ofício do Conselho Regional de Museologia da 4ª Região (Corem-4R) que encaminhava, para providências, denúncia na qual a diretora do Museu da Arte Sacra de Mato Grosso (MASMT) era apontada como suspeita de prática(s) de assédio moral contra uma museóloga.
Em sede de Inquérito Civil (IC), o MPT-MT ouviu testemunhas visando a delinear a relação da diretora com a denunciante e com os(as) outros(as) empregados(as) diretos(as), terceirizados(as) e prestadores(as) de serviço da instituição.
Em abril do ano passado, o MPT ajuizou Ação Civil Pública (ACP) com pedido de liminar em face da Associação dos Produtores Culturais de Mato Grosso. O procurador Raphael Fábio Lins e Cavalcanti enfatizou que, ao instaurar um ambiente de assédio moral generalizado em que os(as) subordinados(as) têm sua capacidade colocada em dúvida, seus erros supervalorizados e seus horários desrespeitados, as atitudes de Rodrigues vitimaram também outros(as) trabalhadores(as) do museu.
Os pedidos foram acolhidos pela Justiça do Trabalho, que determinou o afastamento da diretora do museu até o julgamento do mérito da ação. Na decisão liminar, o juiz do Trabalho Wanderley Piano da Silva, em atuação na 9ª Vara do Trabalho, também determinou a criação de programa de prevenção e conscientização voltado à saúde mental dos(as) trabalhadores(as) e ao combate ao assédio moral por meio de palestras, consultoria de psicólogos(as) e/ou outros(as) profissionais especializados(as); e a implantação de sistema de ouvidoria interna que possibilitasse a apuração das denúncias.
Em janeiro deste ano, o juiz Felipe Augusto Albuquerque julgou improcedentes os pedidos formulados pelo MPT e, na sentença, inocentou a ré. Inconformado com a decisão, o órgão ministerial interpôs Recurso Ordinário, que foi julgado pelo TRT no início deste mês, reformando a decisão de primeiro grau.
Fonte: gazetadigital.com.br