Documentário aposta na memória afetiva para relembrar sua obra e traz longo depoimento de sua ex-mulher
Neste domingo (28), o Globoplay disponibiliza a série “Um Beijo do Gordo”, com quatro episódios que procuram resumir a trajetória e a relevância de Jô Soares e seus 84 anos de vida. E mais: 60 anos de carreira profissional, 28 anos de entrevistas, 14.426 conversas e 1.300 episódios de programas de humor, nos quais interpretou cerca de 300 personagens que ele mesmo criou. E, além da TV, seus filmes, peças de teatro e nove livros.
Esses números, listados logo no início da série numa locução de Fernanda Montenegro, trazem um atestado do alcance de Jô na cultura brasileira. Mas não eram necessários. O intenso sucesso em várias frentes fez dele uma das poucas unanimidades no entretenimento nacional.
O humorista e apresentador Jô SoaresNo primeiro episódio, uma edição rápida e farta de imagens relembra tantos personagens humorísticos que atinge em cheio a memória afetiva.
Dois anos após sua morte, no próximo dia 5 de agosto, falar de alguém tão querido pode ser trabalhoso, admite o diretor e roteirista da série, Renato Terra, também colunista da Folha. “Talvez ele seja a personalidade mais original da TV brasileira de todos os tempos. Ele conseguiu colocar essa personalidade agradável, expansiva, inteligente e tão culta a serviço de tudo o que ele fez, nos programas de humor e também nos programas de entrevista.”
Convidado no ano passado para entrar no projeto iniciado em 2022 pela diretora artística Antonia Prado, Terra considera o grande desafio da série escolher o que colocar no documentário para dar a cada episódio uma identidade própria.
A divisão é rígida. O primeiro fala do humorista de sucesso, da febre do teatro ao vivo “Família Trapo”, na TV Record, aos vários programas globais, como “Faça Humor, Não Faça a Guerra” e “Planeta dos Homens”. O segundo, da mudança para o SBT na busca de ter seu programa de entrevistas, o Jô Soares Onze e Meia, iniciado em 1988.
O terceiro traz o retorno à Globo e a consagração do formato talk show no Programa do Jô, de 2000 a 2016. O quarto quer surpreender com o lado pessoal do artista, apoiado numa longa entrevista de Flávia Pedras Soares, a Flavinha, casada com ele durante 15 anos.
A saída de Jô para o SBT foi um tanto traumática, com uma reação forte de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então todo-poderoso da Globo. Responsável pela chegada de Jô, em 1971, ele não abriu espaço para um talk show e queria seu contratado nos programas de humor.
Devido à disputa histórica das duas emissoras por audiência, a pergunta para Terra é óbvia; o SBT cedeu sem problemas o material de 12 anos de Jô Soares Onze e Meia, que é o foco do segundo episódio de “Um Beijo do Gordo”? “Foi tranquilo. O SBT mandou para a gente a lista de todas as entrevistas e fomos selecionando.”
O diretor conta que foi cedido também material do “Veja o Gordo’”, programa de humor produzido nas três primeiras temporadas de Jô na emissora, ao mesmo tempo em que estreava o horário de entrevistas. “Mas, em determinado momento, já no final da produção, o SBT avisou que também está fazendo um documentário sobre o Jô. Eles vão lançar um streaming, o SBT+, onde esse documentário vai entrar. Então não pudemos usar três ou quatro imagens, reservadas para a produção deles.”
.Além de muito material de arquivo e depoimentos de amigos e colegas de Jô, “Um Beijo do Gordo” traz dois momentos que Terra destaca com entusiasmo. Um é o longo depoimento de Flavinha no último episódio, que ele defende ser o grande momento da série. E fala também de uma ideia de Antonia Prado, inserida no terceiro episódio.
O cenário do Programa do Jô foi reconstruído e artistas que tiveram suas primeiras chances ali foram convidados a visitar o estúdio e contar suas emoções. Entre imagens desses novatos, um extremamente jovem Fabio Porchat, que saiu da plateia para o palco, chamado pelo apresentador.
Terra vê em Jô uma conexão de entretenimento e jornalismo, sobre uma base constante de humor. Quando começou a carreira de entrevistador, no final dos anos 1980, ele fazia um programa de humor, mas se tornou rapidamente uma referência de jornalismo.
“Como o Marcelo Adnet comenta na série, naquela época você não tinha uma segunda tela. Para você ter uma segunda tela tinha que ir ao cinema. Não havia essa explosão de videocasts e podcasts que você tem hoje. O programa nacional de entrevistas era o do Jô, por ali passou o Brasil inteiro.” Não é exagero. A lista de convidados vai de Oscar Niemeyer a Fernando Collor, de Tom Jobim a Pelé.
No domingo, 4 de agosto, o primeiro episódio de “Um Beijo do Gordo” será exibido no GNT, às 22h, com os outros apresentados nas três semanas posteriores.