Este domingo (28/07) será um dia decisivo para a Venezuela. É eleição para presidente, e a maioria das pesquisas projeta derrota de Nicolás Maduro, no poder há 11 anos.
Maduro assumiu o país após a morte de Hugo Chávez, em 2013, e o levou à pior crise de sua história. O PIB encolheu cerca de 75% de 2014 a 2021, e mais de sete milhões de venezuelanos emigraram – um número só superado por crises como a guerra civil da Síria.
A democracia também retrocedeu, segundo análise de organizações internacionais. Na última eleição, em 2018, os principais opositores foram barrados e o resultado não foi reconhecido por mais de 50 países. Enquanto isso, o regime consolidou seu controle sobre o Judiciário e o Legislativo.
De 2022 para cá, a economia da Venezuela começou a sair do fundo do poço e o PIB voltou a crescer. O isolamento internacional também diminuiu – após a vitória de líderes de esquerda no Brasil, Colômbia e Equador e do interesse da comunidade internacional em voltar a comprar petróleo venezuelano devido à guerra na Ucrânia.
Mas o país ainda segue muito mais miserável do que era antes da crise, o que coloca em xeque a sustentação doméstica do regime.
Há muita incerteza sobre o que ocorrerá se Maduro de fato perder. Na semana passada, ele disse que poderia haver um “banho de sangue” e uma “guerra civil fratricida”.
A comunidade internacional, em especial países vizinhos como o Brasil e a Colômbia, pressionam para que, no caso de derrota, haja uma transição negociada.
Quem é o candidato da oposição
O adversário de Maduro nas urnas é o ex-diplomata Edmundo González Urrutia, 74 anos, que representa a Plataforma Unitária Democrática – a coalização de oposição.
Ele é a terceira opção da frente oposicionista. A primeira era María Corina Machado, que venceu as primárias e depois foi impedida pela Justiça. A segunda era Corina Yoris, também barrada.
González foi embaixador na Argélia, em 1991 a 1993, e na Argentina em 1999 a 2002, no começo do governo Chávez. Mais recentemente, atuou como conselheiro de relações internacionais da oposição.
Ele foi confirmado candidato apenas em abril, e realizou seu primeiro ato de campanha em maio. Segundo a maioria das pesquisas eleitorais, está na faixa de 60% a 65% das intenções de voto – beneficiando-se transferência do apoio a Machado. Maduro está na faixa de 20% a 30% das intenções de voto.
Há outros candidatos nanicos, que não ultrapassam os 2% das intenções de voto
Qual é o estado da democracia na Venezuela
Uma organização intergovernamental que mede a evolução da democracia nos países é a International IDEA, composta por 35 países-membros, inclusive o Brasil.
Marcela Ríos Tobar, diretora para América Latina e Caribe da organização e ex-ministra da Justiça do Chile, afirma à DW que a Venezuela vem enfrentando uma “deterioração sistemática” da democracia e hoje está na posição 147 de um ranking com 174 países.
A piora mais significativa ocorreu quanto ao Estado de direito, reflexo do aparelhamento do Judiciário e de outros órgãos públicos pelo regime.
Longe do ideal, mas são eleições
A lista de constrangimentos que o regime impõe à oposição e à sociedade civil vai muito além do bloqueio de candidaturas.
Em abril, a Anistia Internacional divulgou um comunicado apontando o aumento da repressão a críticos do regime, incluindo detenções arbitrárias, denúncias por terrorismo contra opositores e campanhas de estigmatização.
O venezuelano Jesus Renzullo, pesquisador do Instituto de Estudos Latinoamericanos do instituto Giga, em Hamburgo, cita à DW um exemplo dessas campanhas: “Sempre que Gonzales ia a um restaurante, esse restaurante era fechado no dia seguinte por órgãos públicos.”
A numerosa diáspora venezuelana também terá dificuldade para votar, devido a prazos exíguos para registro eleitoral e à necessidade de apresentação de documentos além dos requeridos em lei.
E o envio de observadores internacionais para acompanhar o pleito está comprometido. Em maio, o regime de Maduro cancelou o convite para que a União Europeia (UE) enviasse uma missão de observadores.
Mesmo assim, fato é que a Venezuela deverá ter eleições no domingo, e a oposição está unificada em torno de um candidato que, apesar das dificuldades, consegue fazer campanha.
“Não são eleições livres e justas, são eleições sob condições autoritárias. Mas os policiais e os militares não estão impedindo muitas pessoas da oposição de irem a cidades fazer campanha. Poderia ser muito pior”, diz à DW o também venezuelano Victor M. Mijares, professor de ciência política da Universidade de Los Andes, na Colômbia.
Ele afirma que uma “combinação de questões domésticas e internacionais” permite isso. “Há muita insatisfação entre os militares, os policiais e as pessoas em geral”, diz, citando ainda o trabalho diplomático, em especial da Colômbia e do Brasil, em “tentar convencer Maduro que o melhor que ele possa fazer é permitir condições mínimas para uma eleição“.
A unidade da oposição também foi apontada por Tobar como um aspecto que fortalece o pleito deste ano. “A Venezuela está hoje longe de um processo eleitoral justo e imparcial. Mas temos que reconhecer: a oposição conseguiu se unir em torno de um único candidato, e há um compromisso da oposição e dos venezuelanos de não boicotar, não ficar em casa, mas em participar e se envolver”, disse.
O que acontece se Maduro perder
Analistas e diplomatas estão tentando prever como Maduro reagirá se for derrotado. Para Mijares, nessa hipótese seu comportamento dependerá da diferença de votos para a oposição: quanto menor a margem, maior o espaço para a contestação do resultado.
“Não estaremos vivendo o fim de uma era, mas o começo de um novo round, muito longo e complicado, no qual o chavismo tentará sobreviver como uma força política e talvez tentar dividir o poder com a oposição”, diz.
Para Renzullo, como o regime controla também o Judiciário, o Legislativo e outras forças, o cenário mais provável é o chavismo tentar “asfixiar” o processo de transição ou um eventual novo governo.
O papel das Forças Armadas será importante. Os analistas avaliam que os militares não são completamente leais a Maduro e irão participar das negociações a depender do resultado das urnas, e citam que a insatisfação com o regime é grande nas patentes mais baixas.
O exemplo da transição chilena para a democracia, em 1990, que manteve Augusto Pinochet como senador vitalício, é apontado por Tobar como uma possível trilha em caso de derrota de Maduro.
“O governo [da ditadura chilena] aceitou ceder o poder porque seguiram no controle das Forças Armadas e representados no Congresso, tiveram garantias que iriam seguir participando da direção do Estado”, diz. “Um processo de transição democratizante não acontecerá se as forças do governo, tanto nas elites como nas instituições, não apoiarem esse caminho. É importante incorporá-las.”
Atuação da comunidade internacional e do Brasil
A realização da eleição de domingo decorre em parte de um compromisso assumido pelo regime de Maduro em negociações com a oposição venezuelana, mediadas pela Noruega, que resultaram nos Acordos de Barbados em outubro de 2023, com a participação ativa de Brasil e Colômbia.
O acordo resultou na libertação de oposicionistas presos na Venezuela e no relaxamento de sanções impostas pelos Estados Unidos, mediante o compromisso de realizar eleições livres e transparentes e com resultado aceito pelos concorrentes. Parte do compromisso naufragou com o bloqueio da candidatura de Machado, que teve como consequência a retomada de sanções dos Estados Unidos e da União Europeia.
Renzullo, do instituto Giga, diz que os presidentes colombiano, Gustavo Petro, e brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, foram importantes negociadores para reinserir Maduro na arena internacional, e devem desempenhar um papel crucial em caso de desqualificação no último minuto da candidatura de González, fraude notória ou ações repressivas.
“Maduro pode causar muita disrupção no continente, seja permitindo que guerrilhas se estabeleçam na Venezuela ou fazendo com que mais ondas de migrantes deixem o país”, diz. “Lula não importaria se Maduro continuasse no poder ou se outra pessoa assumisse. Ele se importa que o país não esteja um caos”, avalia.
Tobar, da Idea International, ressalta que Brasil e Colômbia têm governos à esquerda, com uma interlocução mais próxima com Maduro. Ambos, diz, podem pressionar Caracas a sentar-se e negociar um processo de transição, caso percam as eleições.
Maduro recentemente jogou lenha na fogueira ao dizer que poderia haver um “banho de sangue” e “guerra civil fratricida” se perdesse. Lula, que no ano passado recebeu o venezuelano em Brasília, reagiu. Disse ter ficado assustado com a declaração e afirmou que ele tem de aceitar se perder nas urnas.
“Quem perde as eleições toma um banho de voto. Não de sangue. O Maduro tem que aprender. Quando você ganha, você fica. Quando você perde, você vai embora. Vai embora e se prepara para disputar outra eleição”, afirmou o brasileiro.
O presidente venezuelano não deixou barato. Sem mencionar Lula, disse que quem se assustou deveria “tomar chá de camomila” e depois atacou o sistema eleitoral brasileiro, levando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil a desistir de enviar observadores para a eleição no país vizinho.
Uma eventual transição de poder seria longa. O próximo mandato de presidente começa só daqui a seis meses.
Fonte: dw.com