Nos primeiros dois meses de 2024, o país registrou mais de um milhão de casos da doença, transmitida pela fêmea do mosquito Aedes aegypti, um recorde para o período
As autoridades de saúde estão em alerta com o aumento explosivo dos casos de dengue no Brasil. Nos primeiros dois meses de 2024, o país registrou mais de um milhão de novas ocorrências da doença, transmitida pela fêmea do mosquito Aedes aegypti, um recorde para o período, dado que os casos no país costumam atingir o pico entre março e maio.
No estado de São Paulo, que na última segunda-feira, 4, registrou 300 casos confirmados da doença para cada grupo de 100 mil habitantes, foi decretado estado de emergência com base em recomendação do Centro de Operações de Emergências, grupo coordenado pela Secretaria Estadual da Saúde — o decreto permite que gestores públicos destinem recursos para combater a doença sem necessidade de licitação.
Fatores como mudanças climáticas e a rápida expansão da malha urbana contribuem para a disseminação da doença, que já matou pelo menos 214 pessoas este ano. Em resposta à crise, o Brasil tornou-se o primeiro país a lançar uma campanha pública de vacinação para prevenção da doença. O esforço, porém, não deve ser capaz de conter a crise imediatamente. Poucas pessoas estão sendo vacinadas, uma vez que a distribuição do imunizante limita-se atualmente a 521 cidades, menos de 10% dos municípios brasileiros — para ter um impacto nas taxas, é preciso uma vacinação em massa.
E mesmo a vacinação em larga escala não venceria o vírus, uma vez que que problemas básicos de saneamento ainda persistem em diversas regiões do país.
O mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença, prospera em condições quentes e úmidas, depositando seus ovos em água parada encontrada em diversos locais, desde pneus descartados até vasos de flores. Não há tratamento específico para a doença, que pode causar febre, dores no corpo e, em casos graves, hemorragia interna e morte.
A esperança para conter a moléstia está em uma vacina chamada Qdenga, fabricada pelo laboratório japonês Takeda. Sua formulação usa vírus atenuados, isto é, que preservam a capacidade de se multiplicar, mas não são capazes de causar a doença.
A Qdenga foi produzida a partir de uma das variedades do vírus da dengue (DENV-2) modificada para apresentar as proteínas de superfície dos quatro sorotipos (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Possui uma eficácia geral de 73% contra a dengue sintomática. Os resultados foram mais promissores contra DENV-1 e DENV-2 do que contra DENV-3. Para DENV-4, os dados de eficácia ainda são inconclusivos.
Há tempos se busca um imunizante que ofereça proteção contra as quatro variedades do vírus, já que cada uma delas pode infectar uma mesma pessoa em momentos diferentes e causar a doença. Um indivíduo picado por um mosquito carregando o DENV-1, depois de recuperado, desenvolve imunidade contra esse sorotipo. Mais adiante, porém, ele pode ser infectado por alguma das outras três variedades e adoecer.
Uma segunda infecção, provocada por um sorotipo diferente daquele da primeira, tende a ser mais grave. Os anticorpos produzidos contra uma variedade do vírus nem sempre neutralizam as outras de forma eficiente, gerando proteção parcial. Essa imunização incompleta, segundo algumas hipóteses, poderia facilitar a entrada do vírus nas células em que se reproduz e levar a uma infecção mais grave.
A primeira fase da campanha de vacinação visa imunizar crianças de 10 e 11 anos, mas há a perspectiva de expandi-la para crianças de até 14 anos. Esse é o grupo etário mais propenso a ser hospitalizado, além de idosos, para os quais a vacina ainda não foi aprovada.
A disponibilidade da vacina é outro desafio: o Ministério da Saúde afirma ter adquirido todas as doses disponibilizadas pela Takeda e que a quantidade é limitada pela capacidade do fabricante. Além disso, a imunização completa requer duas doses, com um intervalo de três meses entre elas, o que pode complicar a adesão à vacina.
Há também outra vacina, ainda não aprovada, desenvolvida pelo Instituto Butantan, em São Paulo. Em um grande ensaio clínico, a Butantan-DV, como foi batizada, demonstrou uma eficácia geral de 79,6% contra a dengue sintomática com uma única dose. No entanto, sua eficácia contra DENV-3 e DENV-4 não está clara, pois esses subtipos não circularam amplamente durante o período do estudo. A perspectiva é submeter a vacina para aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no segundo semestre de 2024. Se tudo correr bem, o imunizante pode estar disponível para a população em 2025.
Entre outras tecnologias em exploração para prevenir a dengue estão os mosquitos modificados que carregam a bactéria Wolbachia, que reduz a capacidade do inseto de transmitir alguns vírus. Mosquitos infectados com Wolbachia foram liberados em várias cidades do Brasil, resultando em uma diminuição local de casos de dengue.
No ano passado, uma organização sem fins lucrativos chamada World Mosquito Program anunciou planos de construir uma fábrica massiva de mosquitos, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para liberar mosquitos modificados em áreas urbanas do Brasil ao longo dos próximos dez anos.
A construção ainda não começou; o plano é iniciar a produção até o final deste ano.
Fonte: ipea.gov.br